
Não se conhece precedente de um ministro da Educação que tenha pedido demissão antes assumir o cargo. Também não há precedente de um vexame tão grande como o de Carlos Alberto Decotelli. Se Abraham Weintraub foi o joelho no pescoço da Educação que impedia sua respiração, Decotelli assumiu o papel de viúva Porcina de Bolsonaro, aquela que foi sem nunca ter sido.
E pensar que há apenas cinco dias educadores de diversas matizes viram na indicação uma chance de pacificação da Educação depois de um ano e meio de política de terra arrasada. Esse sentimento foi compartilhado pela bancada federal da Educação, pelo presidente da Câmara, por ministros do Supremo Tribunal Federal, por especialistas e órgãos de imprensa. Vislumbrava-se uma fresta de luz ofuscando a experiência amarga das gestões Vélez Rodrigues e Weintraub, quando a prioridade da aprendizagem foi dinamitada pela guerra ideológica.
Mas Decotelli era uma fraude.
O clima favorável desmanchou-se como uma bolha de sabão quando se tornou público o estelionato do seu currículo, turbinado por títulos que não possuía.
Tamanha trapalhada só foi possível porque a Educação nem de longe é prioridade do presidente Jair Bolsonaro. Atabalhoadamente, ele saiu atrás de um nome que diminuísse as áreas de conflito para mitigar o isolamento em que se encontra. Deu no que deu.
Seria cômico se não fosse trágico. Quando se pensa que já se viu de tudo em matéria de enxovalhamento da Educação, o governo Bolsonaro é capaz de se superar. Em um ano e meio os dois ministros anteriores fizeram da batalha ideológica biombo para esconder a incompetência. Agora o MEC vai para seu quarto ministro em um ambiente de incerteza. E, provavelmente, palco de guerra fratricida entre o grupo palaciano de generais e a ala ligada ao guru Olavo de Carvalho, que fez do Ministério a sua fortaleza.
Seja quem for o ministro, essa refrega continuará. Se não conseguir a indicação, o olavismo atuará como quinta coluna, torpedeando qualquer tentativa de oxigenação da Educação. Se o escolhido for de corrente oposta, ele dificilmente logrará êxito em descontaminar a pasta frente as intocáveis casamatas do olavismo. Qualquer solução acomodatícia aprofundará a paralisia da pasta. E existem questões urgentíssimas a exigir do MEC a postura de protagonista
É imenso o estrago com a dança de cadeiras no Ministério que deveria ser a menina dos olhos para qualquer governo comprometido com o futuro.
Mas não é irreversível. Desde que o governo não jogue a criança fora junto com a água suja da banheira, é possível buscar uma gestão técnica e aberta ao diálogo.
O país não aguentará, nem aceitará, a continuidade do weintraubismo. Professores não podem mais serem tratados como inimigos. Nem as universidades tidas como se fossem antro de balbúrdia. A guerra cultural contra o saber tem de ter um basta.
Inimigo da Educação, Weintraub levou o MEC a não ter qualquer participação – quanto mais liderança – quando as aulas tiveram de ser suspensas por causa da pandemia. Agora, quando se programa a volta das aulas presenciais, o Ministério tem de desempenhar o papel que sempre lhe coube institucionalmente: o de articular o setor e apoiar as redes públicas.
O mesmo vale para a renovação do Fundeb, principal fonte de financiamento do ensino, cuja vigência encerra-se ao final do ano. E também para questões do Enem, como a definição da data do exame deste ano e o financiamento do exame de 2021.
Sobre essas questões há um amplo consenso nacional. A torcida é a de que o governo possa resolver fazer o que já deveria ter feito.
Mas o novo ministro terá de mostrar a que vem. Em Educação credibilidade é tudo. E o governo Bolsonaro deixa muito a desejar em relação a essa mercadoria. O episódio burlesco do ministro que foi sem nunca ter sido deixou sequelas e gerou desconfianças. Haverá por parte de todos uma postura de maior cautela em relação ao próximo indicado. Gato escaldado tem medo da água fria.
Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação