
O cenário político brasileiro tem mais de cinquenta tons de cinza. Difícil enxergar um palmo diante do nariz. A imprevisibilidade é a regra. E a radicalização é uma ameaça que fertiliza os espaços extremos, à direita e à esquerda, revela o país dividido e, por consequência, reduz as possibilidade do diálogo em busca da solidez dos consensos.
Ainda assim, nestes dias tensos e impactantes, a razão política, graúda ou miúda, para o bem ou para o mal, ofereceu lampejos de sensatez, mexendo as peças de um complexo jogo de xadrez.
A primeira e inesperada mexida foi a expedição do mandado de prisão do ex-Presidente Lula pelo Juiz Sérgio Moro menos de 24 horas depois da rejeição do HC pelo Supremo Tribunal Federal. Esgotados os prazos recursais, a lógica da decisão obedeceu à percepção política de que o foco da discussão passaria a um fato novo e nada trivial: a prisão do ex-Presidente, um líder popular incontestável. De quebra, reforçou o primado da igualdade de todos perante a lei e fortaleceu a investigação da Lava Jato como instrumento de combate à impunidade.
No bojo do mandado, está a sutileza de gestos polîticos: foi dado um prazo para o réu se apresentar à Polícia Federal, em Curitiba; foi proibido expressamente o uso de algemas. Em razão da “dignidade do cargo ocupado”, o Magistrado definiu um espaço diferenciado para o cumprimento da pena que denominou “Sala de Estado-Maior”; estabeleceu um esquema especial para visitas e dilatou o prazo da rotina carcerária do “banho de sol” de uma para duas horas.
Da parte de Lula e seus aliados, o impacto da surpresa levou um tempo para ser digerido e, na sequência, gerar todos os efeitos reais e simbólicos do episódio de modo a fortalecer o discurso político que vem sendo usado com grande ênfase no argumento da persecução e vitimização, na conveniente divisão da sociedade entre “nós” (o Bem) e “eles” (o Mal) e na reiterada referência ao legado de um governo que jamais houvera “na história deste país”.
De fato, Lula, também, mexeu com pedras do xadrez político. Desde o local, ao ritual religioso em homenagem ao aniversário da falecida esposa, passando pela mobilização da militância, tudo culminou com uma fala de 55 minutos, permeada por uma retórica explosiva que nada tem a ver com “Lula, Paz e Amor”, metamorfose que ficou para trás.
Na essência, Política é a saída pacífica para tensões e conflitos sociais. Nunca é demais repetir, até porque não faltam detratores e aventureiros antipolíticos. Os incendiários estão frustrados. A sentença será cumprida. As instituições estão funcionando, acertando, errando e se autocorrigindo. A jovem democracia brasileira é a democracia mais testada do mundo. Tem sido aprovada com louvor. Por aqui, existe político preso o que não equivale a preso político.
Gustavo Krause é ex-ministro da Fazenda do governo Itamar Franco