Bons tempos aqueles, e nem tão distantes assim, em que autoridades da República, a começar pelo presidente, costumavam repetir ao se verem derrotadas em tribunais superiores:
– Decisões da Justiça não se discute, cumpre-se simplesmente.
O presidente Jair Bolsonaro aproveitou o encontro semanal com seus devotos por meio do Facebook para revelar seu inconformismo com decisões da Justiça que contrariam sua vontade.
Não teve peito para criticar o Supremo Tribunal Federal que ontem, por 10 votos a zero, confirmou que cabe à Fundação Nacional do Índio (FUNAI) demarcar as áreas indígenas.
Preferiu ir para cima da juíza federal que liberou a compra de milhares de radares a ser instalados em rodovias. Bolsonaro é contra radares. Quer acabar com os que existem. Por isso reclamou:
“Está uma briga, porque a Justiça em cima da gente, que quer que a gente mantenha radares multando você. É a Justiça, lamentavelmente, se metendo em tudo”.
Foi péssimo para ele o primeiro dia de decisões do Judiciário depois das férias de julho. Que tal ser obrigado a ouvir do ministro mais antigo do Supremo Tribunal Federal, Celso de Mello, o seguinte:
“O regime de governo e as liberdades da sociedade civil muitas vezes expõem-se a um processo de quase imperceptível erosão, destruindo-se lenta e progressivamente pela ação ousada e atrevida, quando não usurpadora, dos poderes estatais, impulsionados muitas vezes pela busca autoritária de maior domínio e controle hegemônico sobre o aparelho de Estado e sobre os direitos e garantias básicos do cidadão”.
Celso de Mello malhou o capitão porque o Congresso derrubara a Medida Provisória que ele assinou transferindo para o Ministério da Agricultura a atribuição de demarcar terras indígenas.
E apesar disso, Bolsonaro mandou ao Congresso uma nova Medida Provisória com o mesmo objetivo. Não poderia tê-lo feito porque a lei não permite, a não ser depois do intervalo de um ano.
O garoto Eduardo, no final do ano passado, foi gravado dizendo que bastariam um cabo e dois soldados para fechar o Supremo. O pai desculpou-se por ele. Mas se pudesse é o que faria.
Em uma sessão de menos de seis horas, o Supremo só tomou decisões que aborreceram o capitão. Quer que ele explique o ataque à memória do pai do presidente da Ordem dos Advogados do Brasil.
Fernando Santa Cruz, militante político de esquerda em 1976, foi preso e morto pela ditadura. Para agredir o filho dele, Bolsonaro afirmou que Fernando fora morto por seus colegas da esquerda.
O ministro Sérgio Moro, da Justiça, chegou a acenar com a destruição das mensagens hackeadas pela República de Araraquara. Acabou desautorizado por Bolsonaro.
Mesmo assim, os ministros Luiz Fux e Alexandre de Moraes acharam por bem requisitar todas as mensagens e uma cópia do inquérito aberto pela Polícia Federal. Nunca se sabe, não é?
Todo cuidado com Bolsonaro é pouco. Por via das dúvidas, Moraes suspendeu eventuais apurações da Receita Federal que envolvam ministros do Supremo, do Superior Tribunal da Justiça e familiares.
E assim se passarão os próximos 3 anos e quase cinco meses de governo que ainda restam a Bolsonaro – a Justiça a lhe pôr freios, e ele a tentar enfraquecer o Estado de Direito.