Lula e o PT foram vítimas de chantagem no último sábado dia 9 quando o empresário Marcos Valério telefonou para o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) e ameaçou “ferrar” todos se não fosse poupado. E avisou que tinha bala até contra “o barbudo”.
O Globo publicará amanhã que ontem Valério voltou a repetir a chantagem – dessa vez para abortar a convocação da mulher dele para depor na CPI dos Correios. O depoimento está marcado para a próxima terça-feira. A mulher está em pânico.
O PT e o governo não deveriam também estar em pânico, não é mesmo? Afinal, ambos juram ser inocentes. O governo porque diz que se houve alguma coisa irregular foi lá para as bandas do PT. Ele é inocente, portanto. O PT porque proclama sua inocência.
Tudo bem: o ex-tesoureiro Delúbio Soares admite que montou um caixa 2 para pagar antigas dívidas do partido e financiar dívidas futuras. Assume o crime que considera banal, corriqueiro, e que de fato é – mas que nem por isso deixa de ser crime.
Só que Delúbio mente quando nega o pagamento de mensalão a deputados dos partidos aliados. Mente quando nega mesadas pagas a deputados do PT. E mente quando diz que empréstimos bancários tomados por Valério foram a única fonte do caixa 2.
Houve mensalão, sim. Houve mesada, sim. E o caixa 2 do PT foi irrigado por dinheiro público desviado para as contas das empresas de Valério. E por comissões pagas por empresários para ganhar milionárias licitações promovidas pelo governo.
Há mais ou menos dois meses, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o então secretário-geral do PT, Sílvio (Land Rover) Soares disse que o partido tinha um projeto de poder para no mínimo dois mandatos consecutivos – oito anos. E disse mais:
– Não dá para separar o PT do governo. Todos nós estamos no mesmo barco: se o governo Lula der certo ou der errado vai significar que o PT deu certo ou deu errado.
Sílvio (Land Rover) acertou na mosca. Não tem como separar o governo do PT e vice-versa. Até porque Lula deixou que o PT tomasse conta do aparelho do Estado. E fizesse o que julgou necessário para garantir o projeto de poder que também era dele.
É falsa a discussão sobre se Lula sabia ou não da existência do mensalão, se soube ou não que cabeças coroadas do PT cobravam comissões por negócios arranjados com o governo, se estava ou não de acordo com todos esses desmandos.
No detalhe, poderia não saber. E não querer saber. Mas estava a par, sim, das atividades de Delúbio, Silvinho e companhia ilimitada. E a elas se rendeu constrangido (ou nem isso) como única forma de alcançar o poder e de nele permanecer.
Lula estava presente ao encontro que em meados de 2002 selou a aliança do PT com o PL do vice-presidente José Alencar, como contado em reportagem de Bob Fernandes publicada em outubro daquele ano na insuspeita revista Carta Capital.
Ao lado de Alencar, e depois de o aconselhar a não pôr um tostão do seu bolso, ele viu quando os companheiros José Dirceu, Delúbio Soares e o deputado Waldemar Costa Neto, presidente do PL, se trancaram num quarto de apartamento em Brasília.
E viu quando algum tempo depois saíram de lá abraçados e felizes. Tinham finalmente fechado o acordo. Que custou ao PT R$ 10 milhões para pagamento de despesas de campanha do PL – e sabe-se mais lá do quê.
Quem consente na compra de um partido consente na compra de deputados para que votem de acordo com o governo. Os R$ 10 milhões não devem ter sido declarados à Justiça Eleitoral. Como não foram os milhões do caixa 2 montado por Delúbio.
Temos, pois, um presidente da República, o governo dele e o partido dele sob o risco iminente de irem pelos ares se Valério contar o que sabe. Se a mulher de Valério contar o que sabe. Ou se a CPI dos Correios concluir o que todos já sabemos.
Quem poderá dar um jeito na situação? O Congresso. Mas antes ou ao mesmo tempo ele terá de dar um jeito em si mesmo realizando o maior expurgo de todos os tempos. Sem resgatar sua legitimidade não poderá resgatar a do Executivo.
Meus caros, jamais vimos, e espero que jamais voltemos a ver uma crise como esta. Perto dela, a que derrubou Collor foi um traque. Collor e PC Farias não passavam de uns trombadinhas de luxo. Só os charutos cubanos aproximam as duas crises.