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É diesel, doutor

Se corrupção é a regra, qual o sentido de ser correto?

Por José Paulo Cavalcanti
Atualizado em 2 mar 2018, 14h00 - Publicado em 2 mar 2018, 14h00

Semana passada, conferência (muito boa!) de Mansueto Almeida – Secretário de Acompanhamento Fiscal do Governo Federal. No Porto Digital do Recife. Presentes o Vice-governador, Deputados muitos, autoridades outras, parte da elite pensante local. Mais tarde, já na fase das perguntas, um doutor teve que sair. Para ir a missa de sétimo dia. Os amigos estão morrendo cada vez mais. E sempre em momentos impróprios. Velhice, como diz minha santa mãe (92 anos), “é uma merda”.

Já indo embora, e bem em frente à porta do edifício, um reluzente carro oficial. Com ar condicionado ligado. E o motorista, em paz celestial, teclando seu celular. Conversando com amigos, tantas vezes próximos, com quem não consegue se encontrar pessoalmente. Tecnologia é, também, o exercício de uma democracia de solidão. Pior é que o carro gastava combustível para nada. Uma incongruência com o discurso do Secretário, que recomendava racionalidade nas ações públicas.

O doutor, vivendo sua fase de consertador do Brasil, pediu ao motorista, educadamente, para baixar o vidro. Isso feito, pronunciou discurso fora de hora e lugar: “O senhor passa duas horas aqui, com o ar-condicionado ligado, só para seu patrão encontrar o carro friozinho. Gastando gasolina paga com dinheiro dos contribuintes”. O motorista, com cara de que não estava muito interessado naquele discurso, respondeu somente: “Não é gasolina não, doutor, é diesel”… Como se estivesse dizendo que, como se trata de um combustível mais barato, não havia problema. E se lixando para o fato de torrar nossos impostos em vão.

O doutor, indignado, insistiu: “Meu amigo, se não desligar agora, entro eu no carro, tiro a chave, volto lá para dentro com ela na mão e pergunto quem é o patrão de um motorista idiota que está lá fora, com o carro ligado, torrando nosso dinheirinho dos impostos”. Assustado, o motorista desligou. E o doutor foi embora, satisfeito. Imaginando ter feito coisa boa. Coitado dele…

A moral dessa história, para aqueles que acreditam deva toda história ter sua moral, é que aquele motorista era só um brasileiro feliz. E, talvez, inocente. Porque apenas reproduz exemplos que vem de cima. Se corrupção é a regra – para prefeitos, governadores, deputados, senadores, ministros e presidentes –, qual o sentido de ser correto? Se ninguém se preocupa com a coisa pública, por que motoristas deveriam sofrer no calor das tardes recifenses? Aos olhos daquele homem simples, ele apenas fazia o que todos fazem.

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Em resumo, precisamos ter melhores exemplos. Oscar Wilde lembrava que “o olhar sombrio das regras não nos dá um bom exemplo” (em A Importância de ser Earnst). Problema é que para gente demais, e independentemente de seus olhares, regras foram feitas só para serem transpassadas. O coronel Chico Heráclio, de Limoeiro, dizia sempre: “Se a lei é fraca, a gente passa por cima. E se é forte, passa por baixo”. Com esse povo de Brasilia é a mesma coisa. Há sempre maneiras de esquecer a lei. Não tem jeito. Mas eleições vem a caminho. E talvez seja hora de começar a mudar o Brasil. Pelo voto.

Sendo imperfeito esse vasto e insensato mundo, assim que o doutor dobrou a esquina, na direção do seu carro, o motorista ligou de novo o ar-condicionado. Continuando nas suas conversas celulares com amigos distantes. “E o universo reconstruiu-se-me sem ideal nem esperança”, como nos versos finais de Pessoa (Álvaro de Campos). E o tranquilo motorista, como o dono da Tabacaria, “sorriu”.

José Paulo Cavalcanti Filho é advogado 

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