Além de enfrentar a Covid-19, o país tem agora que combater outra perigosa ameaça, a infecção pelo bolsovírus. Em solo brasileiro, esse vírus cresceu no Planalto e arredores, mas, diferente do corona, foi fabricado artificialmente na cabeça do primeiro mandatário do país, seu principal transmissor. Focado na hipótese muito provável de ver seus sonhos de reeleição irem para o espaço depois da pandemia e da recessão econômica que se seguirá, Jair Bolsonaro, numa manobra política desesperada, resolveu inocular o vírus do medo e da dúvida em relação às medidas de proteção e isolamento social decretadas pelos governadores.
Sem qualquer lógica, contrariou recomendações internacionais e o que seu próprio ministro da Saúde pregou insistentemente nas últimas semanas, comprou briga com os executivos estaduais e chocou boa parte do país. Desempenhou seu papel preferido, o desagregador, e, como ex-atleta, praticou o esporte de jogar a bola no colo dos outros. Com isso, quer claramente jogar a responsabilidade pela recessão e pelo desemprego — quem sabe até depressão — para os governadores. Dois deles, aliás, desafetos que vê como adversários na eleição de 2022: João Dória (SP) e Wilson Witzel (RJ).
Só que Bolsonaro está transmitindo um vírus perigoso para sociedade brasileira. Ao questionar providências como o isolamento social, inclusive de crianças nas escolas, coloca vidas em risco. Instaura um ambiente de insegurança e dúvidas em relação às medidas recomendadas para combater o coronavírus. Não por acaso, em diversas cidades, moradores apontaram mais gente nas ruas do que na véspera na manhã seguinte ao pronunciamento presidencial em que ele chamou a Covid-19 de “gripezinha” e “resfriadinho”.
Esse é o efeito imediato do bolsovírus — a confusão que cria num esquema complexo de medidas de isolamento e cuidados especiais que, por si só, já é de difícil implantação. Imagine-se a cabeça do cidadão, apavorado e inseguro, quando vê o presidente falar uma coisa, o ministro outra, o governador outra…
Também nefasto é o respaldo que Bolsonaro tem em empresários e representantes de setores da economia que, lá com suas razões, temem os efeitos da paralisação dos negócios durante a quarentena. Serão mesmo devastadores para os empregos e para a economia. Por isso, esses setores fazem pressão para que comércio e outros estabelecimentos voltem logo a abrir as portas. Tiveram, junto com o “Gabinete do ódio” do Planalto, participação direta na construção da narrativa de fabricação do bolsovírus.
Mas setores econômicos frustrados com a perspectiva da recessão — e até investidores da bolsa, como disse Rodrigo Maia — podem pressionar contra quarentenas e isolamento. Faz parte do jogo. O que não faz é ver o presidente da República, que deveria liderar e cuidar do hospital Brasil tendo como prioridade o bem-estar da população, sair contaminando a população com o vírus da insensatez.
Helena Chagas é jornalista