Texto do dia 9/9/1989
Em tom de gracejo, o deputado Delfim Netto (PDS-SP) advertiu alguns dos seu pares, recentemente, em uma roda animada de conversa no plenário da Câmara dos Deputados: “Collor de Mello só corre um risco de despencar nas pesquisas de intenção de voto: se ameaçar o país com um plano de governo. “
O candidato do PRN evitou correr o risco no programa Palanque Eletrônico da Rede Globo de Televisão. De resto, os demais candidatos que ali se apresentaram driblaram o risco identificado por Delfim. Ocuparam-se com o diagnóstico da crise que atinge o país, sublinharam determinados aspectos dela que pretendem atacar com mais ênfase e se detiveram mais em generalidades.
O candidato do PDT à presidência da República [Leonel Brizola] parece ter-se reconciliado com o político que sempre soube, como poucos, tirar partido da televisão. Resgatou o bom humor que perdera. Respondeu às perguntas que quis. Foi objetivo nas respostas e claro nas conclusões.
Collor de Mello não se arriscou ultrapassar os limites da imagem construída ao longo dos últimos meses – e que tem sido um sucesso até agora. Certamente agradou ao seu público. Exibiu-se calmo, sereno, seguro, elegante, com respostas prontas na ponta da língua. Pode ir para o trono.
Como as pesquisas confirmam, a cada semana, a inabalável posição dele na preferência dos eleitores, merece que se examine com mais atenção o que diz e propõe.
A receita de Collor para reduzir a inflação está em um pacto social que ele chama de “entendimento”. Era a mesma receita aviada pelo presidente Tancredo Neves e tentada, depois, sem êxito, pelo presidente José Sarney. Collor imagina que, com ele, dará certo. Argumenta que o próximo presidente terá melhores condições de operar o entendimento porque estará legitimado por mais de 40 milhões de votos.
A poção mágica do voto direto, que na Argentina não foi suficiente para salvar do desastre o governo de Raul Alfonsín, ajudará a viabilizar a pretensão de Collor, segundo ele mesmo, de fazer o Brasil ingressar no clube dos 7 países mais ricos do mundo. Seria admitido como oitavo país. A mesma poção mágica será capaz de converter os credores da dívida à tese de que o Brasil não poderá continuar exportando capital. Collor promete pagar os juros desde que possa garantir, ao mesmo tempo, o crescimento do país.
Tornou a acenar com a retirada do aval da União aos empréstimos externos contraídos por estados e municípios . A proposta é tola, inviável e ineficaz. Economistas já o provaram à exaustão.
A política agrícola de um possível governo Collor de Mello conterá regras claras e estáveis – e isso é tudo, a se julgar pelo que ele disse. Ele não soube dizer se obrigará o produtor rural a pagar ou não Imposto de Renda. Socorrido pelo empresário Olacyr de Moraes, um dos entrevistadores do programa, admitiu taxar os donos de grandes latifúndios. Disse da reforma agrária que ela implicará uma reforma de mentalidade.
O futuro presidente da República herdará um orçamento sem a mínima folga e um estado falido. Caso seja eleito, Collor ampliará de 3,8% para 10% do PIB as despesas com saúde. Não explicou de onde subtrairá recursos para isso. Mas não há de ser nada. Sob a presidência dele, o Estado se tornará eficiente, ágil e menos gigantesco, como fez questão de frisar. Os militares permanecerão nos quartéis.
O meio ambiente será cuidado “pela sociedade civil”. A violência urbana e rural será contida porque haverá “um governo, legitimamente, constituído “. Por essa mesma razão, o dinheiro aplicado no over será desviado para aplicações “no processo produtivo”. O governo de Collor não enfrentará “uma situação de desconforto na relação com o Congresso”, assegurou o candidato. Políticos e partidos perderam a credibilidade.
Ao longo de uma hora de programa, Collor só derrapou quando teve de improvisar, apertado pela cobrança para que aceite debater os problemas do país com os demais candidatos. Ele está certo em evitar o confronto. Poderia vir a ser desfavorável a ele. O segredo do sucesso dele até agora está em sustentar o discurso ambíguo que atrai o voto do banqueiro e do peão da roça. Definir-se é tudo o que ele não pode fazer.