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Bolívia e Chile: o que as ruas podem nos dizer

Os dois movimentos têm características diferentes e quase complementares

Por Marcos Magalhães
Atualizado em 4 jun 2024, 15h03 - Publicado em 23 nov 2019, 11h00

Os dois países estão em posições opostas na classificação sul-americana de riqueza. O Chile está no topo, com Produto Interno Bruto (PIB) per capita de US$ 22,8 mil. A Bolívia aparece ao final, com US$ 6,9 mil. Os números são do Fundo Monetário Internacional (FMI) e se baseiam no critério de paridade de poder de compra. Mas os dois países se igualam neste momento pela dimensão de seus protestos.

Grandes parcelas das populações da Bolívia e do Chile saíram às ruas nos últimos meses em protesto contra os seus governos. Na Bolívia, inicialmente contra o então presidente Evo Morales, um dos últimos remanescentes da onda de esquerda que se espalhou pela América do Sul na última década. Agora, contra o governo provisório, de direita, que se anuncia como interino e promete para breve novas eleições.

No Chile, os protestos foram contra o governo de direita do presidente Sebastián Piñera, eleito no fim de 2017 para um mandato de quatro anos que se anunciam mais agitados do que ele poderia prever. Os movimentos políticos quase simultâneos levaram à queda de Morales e ao anúncio, pelo governo chileno, de um plebiscito que definirá os caminhos da reforma da Constituição, herdada do período militar chefiado pelo general Augusto Pinochet.

Diferenças

Quanto mais distante esteja o observador da realidade política sul-americana, mais ele tenderá a ver nas cenas de grandes manifestações nas ruas de La Paz e Santiago simplesmente uma repetição da velha instabilidade política do subcontinente.

Os dois movimentos, no entanto, têm características diferentes e quase complementares. Suas mensagens podem ser ouvidas com atenção também no Brasil, pelo que elas evocam de semelhanças com a atual realidade brasileira.

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A Bolívia inovou nos últimos anos, por meio de uma rara combinação de estabilidade monetária, crescimento econômico e distribuição de renda. O relativo sucesso econômico do país, apesar de este ainda estar no último lugar na América do Sul em PIB per capita, explica em boa parte a popularidade de Morales.

O país andino deve crescer 4% neste ano, o que parece um sonho de consumo para a equipe econômica em Brasília. Os bons resultados da indústria de exploração de gás e petróleo têm garantido crescimento constante ao país há mais de dez anos. O desemprego é baixo, em torno de 3,5%. E a inflação permanece comportada: 2,3%.

Os programas sociais desenvolvidos por Morales permitiram a redução acentuada da porcentagem da população em situação de extrema pobreza, de 38% para 15% entre 2005 e 2018, segundo dados do governo boliviano. Além de um programa semelhante ao Bolsa Família, destinado a garantir a presença das crianças na escola, também existe um programa de complementação de renda aos bolivianos com mais de 60 anos.

Permanência

Movido pela popularidade, Morales começou a alimentar o projeto de se eternizar no poder. Por diversas vezes ele indicou que seu projeto político era de longo prazo. Depois da promulgação de uma nova Constituição, em 2009, ele se reelegeu duas vezes, em 2009 e 2014.

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Seu movimento político buscou então mudar a Constituição, para que ele pudesse concorrer a um quarto mandato, em 2019. A proposta foi rejeitada, mas ainda assim o presidente conseguiu ir às urnas sob o argumento, aceito pelo Poder Judiciário boliviano, de que participar das eleições seria um direito humano.

Morales foi às urnas, mas as denúncias de fraude nas eleições acabaram motivando as Forças Armadas a sugerir que ele renunciasse ao poder. E o ex-presidente hoje está no México.

Alternância

Sob o ponto de vista eleitoral, a história recente do Chile foi bem diferente. A partir de março de 1990, após o fim do regime militar, diversos presidentes sucederam-se no Palácio de la Moneda: os democratas-cristãos Patricio Aylwin e Eduardo Frei, os socialistas Ricardo Lagos e Michelle Bachelet – esta em dois mandatos não consecutivos – e o próprio Piñera, eleito primeiramente em 2010 e depois novamente em 2018.

Além de garantir a alternância no poder, uma das mais importantes qualidades das democracias, o Chile também teve seu milagre econômico. A bordo de um modelo liberal que serve de referência ao atual ministro da Economia do Brasil, Paulo Guedes, o país se deslocou do padrão tradicional sul-americano, reduziu o papel do Estado na economia, abriu-se a acordos internacionais de comércio e alcançou o posto de maior PIB per capita na América do Sul.

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O ingrediente que faltou nessa receita foi o que motivou a maior onda de protestos no país desde o fim da ditadura: a busca de maior justiça social. Apesar das reformas implantadas por quatro governos socialistas, em uma tentativa de humanizar o sistema herdado da época militar, o Chile continuou bastante desigual.

Os chilenos foram às ruas para tentar mudar isso. Eles pediram mudanças na Previdência, que tem deixado muitos idosos à margem da prosperidade do país, e também nos serviços de saúde e educação, ainda majoritariamente dominados pela iniciativa privada.

A adoção de um novo modelo para a saúde e a educação, com maior participação do Estado, deve ser uma das principais marcas da futura Constituição do país, a ser elaborada segundo os critérios a serem definidos por meio de plebiscito anunciado por Piñera.

Mais igualdade

Em recente artigo publicado no jornal uruguaio La República, a secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena, recorre ao exemplo do Chile ao defender a busca de um modelo mais igualitário para a região.

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Ela observa que, apesar de o Chile ter uma alta renda per capita, seus trabalhadores têm salário médio inferior a US$ 550, com o qual precisam pagar serviços como os de saúde, educação e transporte.

Em termos de renda, prossegue a secretária, os chilenos que estão entre o 1% mais rico detêm 26,5% da riqueza geral do país, e os 10% mais ricos concentram 66% dessa riqueza. Por outro lado, os 50% mais pobres têm apenas 2,1% da riqueza do Chile.

“Chegou a hora da igualdade e de um novo estilo de desenvolvimento”, afirma Alicia em seu artigo. “É hora de refazer os pactos sociais e superar um modelo econômico baseado na cultura do privilégio, que prioriza o interesse privado sobre o público, o capital sobre o trabalho, a acumulação sobre a redistribuição, o crescimento sobre a natureza”.

A busca de um novo modelo poderá movimentar os debates em diversos países da América do Sul nos próximos meses, especialmente depois das crises políticas da Bolívia e do Chile e dos resultados de eleições em países como Argentina e Uruguai.

Complementares
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É importante observar que as crises nos dois países andinos nasceram de reivindicações distintas. Na Bolívia, os manifestantes foram às ruas para protestar contra suposta fraude nas eleições, que garantiriam novo mandato a Evo Morales sem passar por um segundo turno.

No Chile, os manifestantes defenderam a mudança no modelo político e econômico do país, ainda regido por uma Constituição do tempo do regime militar. Os chilenos pediram menos desigualdade e melhores serviços públicos.

Mais democracia e mais justiça social. Essas foram, por diferentes maneiras, as principais bandeiras de bolivianos e chilenos. Se os dois países experimentavam momentos políticos e econômicos muito diferentes, de certa forma as suas reivindicações se complementam. E podem servir de alerta para os demais países da América do Sul.

 

Marcos Magalhães é jornalista especializado em temas globais, do site Capital Político (capitalpolitico.com

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