
No auge de seu prestígio, como um dos expoentes do free jazz, o saxofonista Archie Shepp resolveu voltar às raízes do blues e do gospel, no final dos anos 60. Ativista dos direitos civis, ele não se conformava em quase não ver negros nas plateias de seus shows. Shepp compreendeu que havia se afastado de suas origens, ao ouvir uma amiga de sua mãe lhe perguntar: Quando você vai fazer uma música que eu possa entender?
“Só então eu percebi que o jazz que eu fazia chegava apenas a uma audiência, essencialmente, branca. Minha plateia estava formada, basicamente, por uma classe média branca. Pouquíssimos negros estavam ouvindo minha música”, explica Shepp. “Embora eu tivesse um fantástico background de blues, que era a música que me identificava com meu povo, eu raramente os tocava”.
Nascido em 1937, Archie Shepp estudou piano e saxofone desde pequeno. Como profissional, começou no quarteto de Cecil Taylor. Integrou o New York Contemporary Five, junto com Don Cherry. Mas sua carreira deslanchou com o apoio de John Coltrane, que o convidou para tocar no álbum Ascension (1965).
A transformação na trajetória de Archie Shepp se consolida no álbum Attica Blues (1972). O disco faz referência à revolta ocorrida na penitenciária de Attica, em Nova York, em setembro de 1971. Os presos, em sua maioria negros, se rebelaram por melhores condições carcerárias. A polícia invadiu a prisão, matando 30 dos presidiários e 10 reféns.
“Essa foi minha inspiração”, conta Shepp. “Não somente a revolta de Attica, mas todas as rebeliões que estavam acontecendo, em várias prisões do país. Era um período de mudanças, com o movimento pelos direitos civis dos negros começando a alcançar seus resultados”.
Do ponto de vista musical, com o álbum Attica Blues Archie Shepp concretiza sua vontade de retomar os formatos tradicionais da música negra americana. Ele incorpora a seu jazz as linguagens do funk, do soul, do gospel e, especialmente do blues, que fizeram parte de sua infância e juventude.
Em 2012, Archie Shepp retornou aos temas que compôs sobre a revolta e sobre o movimento pelos direitos dos negros. Montou a superbanda Attica Blues Orchestra e gravou o álbum I Hear the Sound (2013), indicado para o Grammy de melhor álbum de jazz em 2015. No disco estão dois de seus clássicos da época, Goodbye, Sweet Pop’s e Mama Too Tight.
E no vídeo a seguir, temos Archie Shepp e a Attica Blues Orchestra com a emblemática peça Blues for G. Jackson, escrita em homenagem ao ativista George Jackson morto na penitenciária de San Quentin, duas semanas antes da revolta de Attica Prison.
Flávio de Mattos é jornalista, escreve aqui sobre jazz a cada 15 dias. Dirigiu a Rádio Senado. Produz o programa Improviso – O Jazz do Brasil, que pode ser acessado no endereço: senado.leg.br/radio