17/1/2008
Era só o que faltava a essa altura.
A poucos dias do nascimento de Luana, descubro que André e Gustavo entraram em um acelerado processo de regressão. Acelerado talvez seja exagero.
É claro que eles não admitem isso. Debocharam de mim quando abordei o assunto. André disse que estou ficando maluco. Gustavo, que agora me ocupo com invencionices para alimentar este diário.
Mas não é bem assim. Vocês pensam que só as mães são capazes de perceber eventuais mudanças de comportamento dos filhos? Os pais também são. Podem até não conferir a importância excessiva que as mães costumam conferir, mas percebem, sim, se forem atentos e observadores.
O jornalismo – mais do que o ofício de ser pai – me ensinou a ser um observador razoável. Pois a notícia muitas vezes está mais no silêncio de uma pessoa do que na sua fala, no rosto triste ou alegre, no resmungo, na gargalhada, no dar de ombros, no franzir da testa, na agitação ou na imobilidade.
Gustavo anda mais reservado que o habitual desde que voltou de um prolongado período de férias em Florianópolis. O contrário faria mais sentido – afinal ele relaxou e se divertiu com a namorada e um grupo de amigos em lugares paradisíacos.
É o curador da família por iniciativa própria. Antes de ir dormir entra de mansinho no meu quarto e no de André para ver se está tudo em ordem. Se saio à noite com Rebeca e demoro a voltar, ele telefona:
– Tudo bem?
Ultimamente, ele me procura sempre com a mesma pergunta:
– Como está Sofia?
Sofia está nos trinques – ansiosa como é natural.
André, que nunca reclamou de uma dor de cabeça, declarou-se enfermo ontem à noite e se entregou aos cuidados da mãe. Teve um pouco de febre. E no seu rosto apareceram duas pequenas manchas avermelhadas.
Há um surto de rubéola em Brasília. E Rebeca teme que André possa ser mais uma vítima do surto. Rubéola é uma doença infantil – assim como o sarampo e a catapora. Às vezes se manifesta em adultos. Em grávidas, pode provocar “malformações no nascituro”.
Êpa!!! Nascituro quer dizer “o que está por nascer”.
Na dúvida, e enquanto não se esclarece a verdadeira natureza do mal que se abateu sobre André, Rebeca decretou estado de emergência aqui em casa. Ninguém sai – a não ser ela que se julga imunizada não sei por quê. E ninguém entra até segunda ordem. Os amigos foram avisados.
O enfermo está isolado no seu quarto onde dispõe de televisão, computador e iPod. Qualquer roupa que vista, pano que use, bem como pratos, copos e talheres deverão ser lavados com água fervida. Doravante, as refeições de André serão servidas no quarto.
Sofia foi proibida de manter contato com qualquer um de nós – a não ser por telefone, e-mail, telegrama, carta ou sinais de fumaça. Dr. Aluízio da Costa e Silva, clínico geral e “fada madrinha” da família, está de sobreaviso. Virá mais tarde examinar André, embora não creia a princípio que ele padeça de rubéola.
– Pelo o que ele me disse que está sentindo, acho difícil que seja rubéola – antecipou Aluízio.
Raramente Aluízio se equivoca. Temos plena confiança nele. Nem por isso Rebeca se dá por satisfeita com todos os seus diagnósticos – principalmente quando sou eu o alvo de exames encomendados por ela a Aluízio. Uma vez por ano cedo às pressões de Rebeca e me submeto a exames.
(Ela nega que seja uma vez por ano. Diz que é a cada dois ou três.)
Rebeca me acompanha nos exames. E como é assídua frequentadora dos laboratórios de Brasília, consegue ter acesso aos resultados antes mesmo de eles serem enviados a Aluízio. Pendura-se então no telefone e o interroga sobre cada um deles.
– O senhor não acha que esse número de leucócitos de Ricardo está muito baixo?
– Que número, Rebeca? – devolve Aluízio sem perder a paciência. Ele nunca perde. Desconfio que se divirta.
– A taxa de colesterol de Ricardo me parece alterada, Dr. Aluízio.
– Qual é a taxa?
Até aqui, Aluízio garante que gozo de boa saúde – embora não deva abusar da sorte.
Não digo que Rebeca torça para que um dia os resultados dos exames sejam ruins. Mas digo sem medo de errar ou de cometer injustiça que ela gostaria que eles não fossem tão bons. Porque somente assim, segundo ela, eu me cuidaria melhor.
Dou-lhe razão. Na maioria das vezes ela tem razão. Espero que não tenha no caso da suspeita de rubéola.
Desconfio que André e Gustavo sofrem da doença infantil dos que se julgam ameaçados pela chegada de um novo amor na vida dos pais. Não imaginei que isso fosse possível aos 28 e 26 anos de idade.
Pensando como Rebeca, afirmo que eles não passam de duas crianças. Sofia, também.
Atualização das 19h46 – Alvíssaras. Não é rubéola. É uma forte gripe o que derrubou André. Aluízio acertou novamente. Ele acerta até por telefone. Mesmo assim, Sofia continua proibida por Rebeca de nos visitar.
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