No início de 2013, o tomate disparou e seu preço médio ficou 80% superior ao de um ano antes. Só se falava nisso: restaurantes suspenderam seu uso, as redes sociais foram invadidas por memes e até a apresentadora Ana Maria Braga apareceu em seu programa matinal usando um colar com tomates pendurados em sinal de protesto. Outros alimentos também subiram, mas o tomate virou símbolo de uma insatisfação popular que andava latente e desaguou, poucos meses depois, nas manifestações que tomaram conta da principais capitais do país em junho – e que tiveram como estopim outro aumento, o das passagens.
Aumento é aumento, e não há ninguém que saia do mercado bem humorado ao perceber que a quantia que costumava gastar compra hoje menos do que comprava antes. Ou, pior, que não compra nada. Muita gente que viveu aquela época de perto, a primeira crise de verdade do governo Dilma Rousseff, acha que o tomate – traduzindo aí uma situação mais geral – ajudou a azedar o molho que a opinião pública vomitou nas jornadas de 2013.
E parece que o tomate assassino de popularidades anda querendo voltar. O tomate da vez é o arroz, que passou de R$ 15 para R$ 40 reais em alguns lugares (5kg), mas subiram também no último mês o óleo de soja (9,48%), o leite longa vida (4,84%), a linguiça, que está 70% mais cara do que antes da pandemia, e, entre outros alimentos, até o safado do tomate (12,98%).
Na explicação dos especialistas, um choque de preços, estimulado pela alta do dólar que favoreceu as exportações, reduzindo a oferta no mercado interno, e também turbinado pelo isolamento social que levou as pessoas a fazerem mais refeições em casa. O consumo também aumentou por causa do pagamento do auxílio emergencial de R$ 600 – e o fato de as pessoas terem comprado mais comida porque tiveram mais dinheiro para isso é bom sob qualquer aspecto. O que dizem também os economistas é que, por enquanto, não há grandes riscos de disparada inflacionária.
Mas pouca coisa apavora mais os governantes do que inflação de alimentos – que atinge em cheio os mais pobres, revolta a classe média e irrita os ricos. De forma desajeitada, Jair Bolsonaro começou a se movimentar, apelando ao rarefeito patriotismo dos empresários do setor e pedindo que sua margem de lucro seja próxima do zero. Não é piada, ele falou isso a sério.
O establishment, que conhece bem o seu presidente, já está apavorado com a possibilidade de que ele venha a interferir nos preços, contrariando mais uma vez a cartilha do ministro Paulo Guedes – o que, hoje em dia, não chega a ser uma novidade. Nada indica até o momento que Bolsonaro vá fazer isso, até porque a tranquilizadora Tereza Cristina deu-lhe esta semana uma dose de ansiolítico agrícola, prometendo que os preços dos alimentos irão baixar. Mas, e se não baixarem?
Ninguém sabe o que vai acontecer quando o auxílio emergencial for reduzido para R$ 300, a partir do mês que vem, e os preços continuarem subindo – ou, ao menos, estacionarem nos patamares altos de hoje. Num cenário de desemprego, quem, com o benefício, já compraria apenas metade do que comprava no auge da pandemia vai comprar menos ainda. E as pesquisas indicam que esse consumo não é de supérfluos: é de comida. Dá para entender o desespero de Bolsonaro, preso em sua própria armadilha.
Helena Chagas é jornalista
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