A inhaca do poder (por Gustavo Krause)
Esgotou-se a originalidade crítica aos partidos brasileiros

Não estranhe o título. A palavra “inhaca” não é usual. Também não está usada nos seus significados tradicionais, catinga, fedor, bafio. Quem lhe deu utilidade mais nobre e criativa, foi um Deputado Estadual Pernambucano do velho, sabido e governista PSD. No finzinho da tarde, concluídos os trabalhos legislativos, nos idos 1950, ele chamava alguns correligionários e convocava: “Vamos ao Palácio do Campos das Princesas conversar com o Governador!”
Um deles disse: “não vou. Não tenho nada para falar com o Governador”. O velho pessedista balançou a cabeça, impaciente e soltou: “Nem eu cretino. Vamos lá para sentir a inhaca do poder”. Para ele, o importante era está no raio de onde emana a atmosfera do poder, o bom cheiro da “inhaca”; o largo e acolhedor abraço daquele que tem a capacidade de fazer o bem e o mal; dar e tirar votos e outros benefícios/malefícios que se resolviam nas confissões auriculares. Impublicáveis. Mas não eram, ainda, transações tenebrosas.
O velho exemplo serve para hoje. No Brasil, funciona a máxima “hay gobierno, soy a favor”. A inhaca e o bodum dos fins de tarde ou tarde da noite assumiram seu significado original: o fedor, a catinga, em ondas nauseabundas. Parlamentares ecléticos, da velha política, voltam ao palco como fiadores da governabilidade.
Esgotou-se a originalidade crítica aos partidos brasileiros: oligárquicos, cartoriais, balcões de negócios e por aí vai. Mas não faltam exemplos reais de que no Brasil sempre existiram três partidos, independentes da sigla e dos “programas” que apenas cumprem obrigação burocrática perante a Justiça eleitoral. A minha experiência de poder confirma: só existem três partidos: governistas, adesistas e a oposição (se aderir, morre).
Não há nenhuma surpresa na formação da nova base parlamentar do governo Bolsonaro, agregando os mais notáveis e notórios “turistas partidários”, “o centrão”, que estiveram com a esquerda lambuzada de petróleo e, agora, investem em ações com viés de alta a serem “negociadas” de acordo com as cotações do populômetro do governo.
Para quem passou alguns verões no poder, tem história de governismo para contar. O vereador afrodescendente, Edmar Lira, me tratava assim “isto não é um Prefeito, é uma usina de bondades”. Porém, cena comovente e hilária ocorreu com o vereador José Gomes, o “tatuzinho”, que se elegia, instalando gambiarras nas favelas. Um dia, terminando o mandato, me deu um abraço comovido: “o senhor, foi o melhor Prefeito do Recife”, agora, o próximo vai ser melhor”.
Gustavo Krause foi ministro da Fazenda