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A fala do trono

O discurso de Temer foi falho e fraco.

Por Chico Alencar
Atualizado em 26 abr 2018, 16h00 - Publicado em 26 abr 2018, 16h00

Súbito, Michel Temer apareceu em cadeia – nas telinhas e rádios do Brasil, na última sexta. Ressaltou que era véspera de Tiradentes e do Descobrimento, dando um ar “histórico” ao pronunciamento. Emoldurou sua fala com versos do clássico “Romanceiro da Inconfidência”, de Cecília Meireles.

O discurso foi falho e fraco. Uma boa assessoria lembraria que já não se usa o termo “inconfidentes”, pois isso quer dizer delação, “deduragem”. No tempo de Cecília tudo bem, mas agora cabia atualização. A não ser que Sua Excelência queira fazer o elogio da traição…

Temer comparou-se a Tiradentes, “injustiçado” mas resgatado com o passar do tempo. Com o poder que tem – usado inclusive para escapar de investigações – Michel está mais para D. Maria I, que condenou à forca o rebelde independentista. Soberania, que os conspiradores almejavam para a Capitania de Minas, não está no vocabulário do governo atual, empenhado no desmonte do estado.

Ao “descobrimento do Brasil”, historiadores e antropólogos preferem “cobrimento”: afinal, viviam aqui, antes da expedição mercantil-cruzadista de Cabral, muitos povos, diferentes culturas. Como lembrou Oswald de Andrade, exagerando a visão idílica da terra de Pindorama, “antes dos portugueses descobrirem o Brasil, o Brasil tinha descoberto a felicidade”…

Seria de mais valia o presidente falar das 225 etnias originárias atuais, com cerca de 170 línguas, e as medidas de seu governo para respeitar suas terras e tradições. Só que essas iniciativas não existem. Ao contrário: o governo serviçal do agronegócio vê os nativos como barreira ao “progresso”. Nunca tantas lideranças indígenas, camponesas e quilombolas foram tão perseguidas como de 2016 para cá.

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Na essência, o pronunciamento foi de autoelogio. “A economia está crescendo”, disse, omitindo a desgraça de 13 milhões de desempregados. “A inflação está baixíssima”, alardeou, deixando de lado os dados recentes do IBGE, que mostram o aprofundamento da desigualdade social (o 1% mais rico ganha, em média, 36,1% a mais do que os 50% mais pobres). Ignorou a carestia persistente em alguns setores, como os planos de saúde (13,5% nos últimos três anos!), dos quais 47,4 milhões de brasileiro(a)s dependem.

Temer exaltou a “coragem” de realizar a intervenção na segurança do Rio de Janeiro. Não há o que comemorar, pois efeitos positivos não vieram e o Exército se desgasta. Mesmo aquela elogiada ação contras as milícias foi muito mais de marketing – com prisão de dezenas que não têm a ver com o crime – que de desestruturação de quadrilhas. Aliás, lá se vão 40 dias e os executores e mandantes do assassinato de Marielle e Anderson seguem intocados.

Não é difícil prever o lugar que a história reservará para a coalizão de investigados e réus, privatistas máximos e devotos do estado mínimo que Temer lidera. Talvez esteja em outros versos da grande Cecília, no mesmo “Romanceiro”: “pelos caminhos do mundo/nenhum destino se perde/há os grandes sonhos dos homens/e a força surda dos vermes”.

*Chico Alencar é professor, escritor e deputado federal (PSOL/RJ)  

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