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A arte de engolir sapos (por André Gustavo Stumpf)

O projeto de ditador tropical ouviu algum conselho importante. Parou a tempo

Por André Gustavo Stumpf
Atualizado em 18 nov 2020, 19h54 - Publicado em 16 out 2020, 12h00

Há pouco mais de um ano, o presidente Jair Bolsonaro pilotou manifestações públicas contra Dias Toffoli, Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre. Seus correligionários acamparam na Esplanada dos Ministérios, alguns deles armados, e soltaram fogos de artifício contra o prédio do Supremo Tribunal Federal.

A turma bolsonarista organizou manifestação na frente do chamado Forte Apache, comando do Exército em Brasília, para pedir o fechamento do Congresso e a reedição do Ato Institucional número 5. Os meninos do presidente insultaram os principais personagens do governo nas redes sociais. Agora, para surpresa geral, estão todos juntos, sorridentes e frequentando as mesmas reuniões sociais.

Tempos atrás, o governo não tinha nenhuma base parlamentar no Congresso. Perdeu todas as principais votações. Não havia liderança. Pressionado pela pandemia, gritava que não tinha nada a ver com a doença. E recomendava a cloroquina como remédio para evitar o vírus.

E, não obstante o desastre geral, urrava ‘vou intervir’. Ato contínuo, demitiu o Ministro da Justiça, Sergio Moro, para, de fato, interferir no comando da Polícia Federal. Antes, já havia despachado o ministro Henrique Mandetta que tentou conduzir o tratamento da Covid 19 com respeito às normas fixadas pelos médicos.

O presidente Bolsonaro deu vazão aos seus delírios absolutistas. Ele se julgou um Napoleão tropical, capaz de abalar as tradições ibéricas entranhadas na sociedade brasileira. Mas todo Napoleão tem o seu dia de Waterloo, a batalha ocorrida na Bélgica quando o francês perdeu a guerra e o poder.

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O projeto de ditador tropical ouviu algum conselho importante. Parou a tempo. Percebeu que seria vítima fácil de um impeachment, uma vez que o Congresso Nacional é capaz de conduzir o processo de afastamento de presidente em pouco mais de trinta dias. Deputados e senadores conhecem os caminhos. Há precedentes.

Para surpresa geral, Jair Bolsonaro olhou em volta e percebeu que era o presidente de todos os brasileiros. Não apenas da sua turma. E que para ser reeleito em 2022 precisaria de votos e apoios em todo o país. As travessuras de seus filhos, tanto nas rachadinhas, quanto nas ações do gabinete do ódio, já estão devidamente enquadradas, analisadas e estudadas no Ministério Público e no Supremo Tribunal Federal. Eles estão com a espada de Dâmocles sobre a cabeça. O presidente percebeu que seu mandato estava sob risco. E o poder poderia escapar entre seus dedos.

A necessidade faz o sapo pular. Surgiu o novo Bolsonaro. Escolheu um personagem diferente e distante da fofoca brasiliense para ingressar no Supremo Tribunal Federal. Conversou com seus integrantes. Conduziu pela mão seu indicado.

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Fez acordos com o centrão, modificou todo o time de vice-líderes, recriou o Ministério das Comunicações, que recebeu a atribuição de gerir a comunicação do governo e administrar a Empresa Brasileira de Comunicação. Por último, dispensou o general Otávio Rego Barros, antigo porta-voz, símbolo da época em que o Palácio do Planalto tinha uma secretaria de imprensa. É outro governo.

Um detalhe. O general Rego Barros acreditou neste governo, lá no início. Trabalhou com afinco para tornar o presidente um produto mais palatável. Criou o café da manhã com os jornalistas, mas tudo se perdeu porque a comunicação do governo é realizada pelo gabinete do ódio, comandado pelo filho.

O general não foi promovido, perdeu a quarta estrela, foi infectado pelo Covid 19 e, por último, dispensado de suas funções no Palácio do Planalto. Esta é uma boa fotografia da mudança de orientação do presidente. Ele caminha na direção de confraternizar com antigos adversários, inclusive na imprensa. Vale tudo para tentar a reeleição em 2022.

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É importante aprovar o projeto chamado de Renda Brasil, Renda Cidadã ou com qualquer outra designação. A partir de janeiro cessarão os benefícios dos programas emergenciais. A recessão virá com força. E o orçamento está no limite. Será necessário fazer escolhas. Alguém vai perder privilégio. Grupos vão se despedir de generosos subsídios. Falta dinheiro para pagar esta nova modalidade de bolsa família, aquela mesma que sustentou os eleitores do Partidos dos Trabalhadores.

Os extremos se tocam. Lula partiu da esquerda e veio para o centro. Bolsonaro saiu da extrema direita e andou para o centro. Deixou um monte de viúvas protestando pelo caminho. Mas, neste capítulo, há virtude. Ele olhou para a necessidade de vencer a reeleição para manter o grupo no poder. Engolir sapos é um saudável exercício da política.

 

 

André Gustavo Stumpf escreve no Capital Político. Formado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), onde lecionou Jornalismo por uma década. Foi repórter e chefe da sucursal de Brasília da Veja, nos anos setenta. Participou do grupo que criou a Isto É, da qual foi chefe da sucursal de Brasília. Trabalhou nos dois jornais de Brasília, foi diretor da TV Brasília e diretor de Jornalismo do Diário de Pernambuco, no Recife. Durante a Constituinte de 88, foi coordenador de política do Jornal do Brasil. Em 1984, em Washington, Estados Unidos, obteve o título de Master em Políticas Públicas (Master of International Public Policy) com especialização política na América Latina, da School of Advanced International Studies (SAIS). Atualmente escreve no Correio Braziliense.

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