Inúmeras vezes setores da opinião pública apoiaram medidas exageradas e até contra os direitos e as garantias. Em nome do combate ao malfeito ou ao preconceito, vale tudo, desde que o alvo seja o inimigo. Na melhor linha do que dizia Anastasio Somoza, o ditador nicaraguense: “A los enemigos, plomo!”. Já quando os excessos se voltam contra os amigos e aliados, ocorrem manifestações de protesto e indignação. Vários pesos e muitas medidas.
Na semana passada, o Tribunal Regional Eleitoral do Paraná determinou busca e apreensão na casa de Sergio Moro, candidato ao Senado Federal, por suposto crime eleitoral cometido pelo ex-juiz. Ironicamente, Moro foi vítima de um exagero que, certas vezes, foi praticado a mando dele próprio. A busca e apreensão na residência de Moro, em Curitiba, reflete os tempos de exagero que imperam no Brasil há tempos. Como no caso das recentes medidas tomadas contra empresários apoiadores do presidente Jair Bolsonaro por opiniões desmioladas.
Os tempos de exagero começaram na época do mensalão, quando Kátia Rabello, então presidente do Banco Rural, foi condenada a inacreditáveis dezesseis anos de prisão pelo Supremo Tribunal Federal embora não fosse autoridade. A partir daí, os exageros só se ampliaram por causa de um ativismo perigoso.
“Em nome do combate ao malfeito ou ao preconceito, vale tudo, desde que o alvo seja o inimigo”
Ao longo dos anos, disseminou-se no país uma cultura autoritária que tolerava, por exemplo, a condução coercitiva de testemunhas, sem prévio convite. Acompanhada da midiatização do ato, poderia destruir a reputação do conduzido antes mesmo que ele, eventualmente, viesse a ser condenado pela Justiça.
No caso da Lava-Jato — cujo fim melancólico se deu com uma inesperada e controversa decisão a favor de Luiz Inácio Lula da Silva —, deveria haver uma autocrítica sobre os exageros praticados por sua força-tarefa e o apoio dado a comportamentos questionáveis. Assim como uma explicação para a sociedade sobre todo o trabalho realizado — sob o escrutínio da Justiça — no âmbito da operação para, anos depois, ser anulado.
Hoje, na linha do mal menor, os malfeitos comprovadamente praticados ao longo da operação estão sendo relativizados na campanha eleitoral. Antes eram alardeados como a chegada do apocalipse purificador da política. Hoje, pálida lembrança. Novamente, vários pesos e medidas. Os exageros praticados pelo Judiciário devem ser observados e contidos pelo próprio Poder. Ou limitados pelo Legislativo. A sociedade também deve observar e se manifestar contra exageros cometidos nas investigações. Não deve aplaudir injustiças contra adversários e condená-las somente quando aplicadas contra aliados. A lei deve valer para todos. E de forma imparcial.
Não podemos nos iludir com o tom ameno que o fanatismo pode assumir. A tolerância diante de exageros é um fanatismo discreto, mas igualmente mortal para a democracia. Por isso deve ser denunciada. Os exageros decorrem da nossa tolerância, em especial se misturada a partidarismo e com viés na interpretação dos fatos. Hoje, quando o noticiário virou um desfile de opiniões, os exageros têm sido relativizados de acordo com as preferências de cada um. Não deveria ser assim.
Publicado em VEJA de 14 de setembro de 2022, edição nº 2806