O Brasil, por suas características e pela construção de nossa democracia, vive uma permanente tensão institucional. Assim, a crise entre os poderes que hoje ocupa as páginas não é nova por aqui. Tampouco inédita. O que ocorre hoje deve ser percebido tanto como choques e acomodações entre as placas tectônicas dos poderes da República quanto como disputas conjunturais de narrativas políticas. Como lidar com esse quadro? Devemos, de forma clara e como sociedade, nos posicionar contra qualquer ameaça de ruptura institucional. E exigir das autoridades que observem o melhor interesse nacional.
Na política, as boas soluções decorrem da combinação de pragmatismo, contenção, bom senso e discrição. Por isso nomes como Ulysses Guimarães, Tancredo Neves, José Sarney, Michel Temer, entre outros, foram longe na política. Grandes lideranças políticas do mundo democrático tiveram sucesso com base nos conceitos que menciono. Mesmo quando confrontadas com situações que exigiram decisões extremadas, nossas instituições devem observar o protocolo das boas relações entre si e evitar espetacularizar o debate como se houvesse uma disputa para ver quem manda mais.
“O episódio Daniel Silveira mostra um país confuso, que não para de criar problemas para si mesmo”
No fim da pandemia de Covid-19, e com o evidente prolongamento de suas consequências sociais e econômicas, o Brasil e seu povo não desejam nem precisam de conflitos institucionais que poluam o noticiário, tragam incerteza, alimentem especulações e reforcem a desconfiança no país. Olhando de uma perspectiva externa, a crise institucional — agora retratada pelo julgamento do deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) pelo Supremo Tribunal Federal, com os seus desdobramentos — mostra um país confuso, que não para de criar problemas para si mesmo, em um looping eterno de trapalhadas, arroubos e arrogância. E que, no fim das contas, só prejudica o ambiente de investimentos e a geração de empregos.
Infelizmente, a temperatura e a intensidade do conflito indicam que parte dos atores da atual crise não quer boas soluções nem pacificação. Para a construção de boas soluções, quem está em posição de comando deve reduzir a temperatura, baixar a bola e, sobretudo, mostrar sensibilidade diante dos imensos problemas que a sociedade enfrenta no Brasil. O consensualismo — que já impediu derramamento de sangue em muitas ocasiões — precisa prevalecer. Prosseguir esticando a corda com declarações de lado a lado não interessa ao país.
Lamentavelmente, as expectativas não são boas para os próximos meses. A guerra de narrativas tende a se exacerbar. Ataques institucionais devem prosseguir. Retaliações podem ocorrer. A polarização pode terminar mantendo a crise entre instituições na pauta e trazendo desconforto. É bom lembrar que os candidatos que lideram a corrida eleitoral têm sérias diferenças com o Poder Judiciário. E ambos tentam faturar politicamente com as suas desavenças enquanto o Judiciário busca reafirmar sua autonomia. O quadro que se apresenta não é de ruptura. Mas de conflito constante, que trará o inevitável declínio da imagem das instituições perante o eleitorado.
Publicado em VEJA de 4 de maio de 2022, edição nº 2787