Nos primeiros seis meses de 2024, os principais biomas brasileiros atingiram recordes históricos no número de queimadas. Tanto o Pantanal quanto o Cerrado registraram a maior quantidade de focos de fogo desde o início do monitoramento por satélites, realizado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) a partir de 1998. Na Amazônia, o número de focos no primeiro semestre de 2024 foi o mais alto dos últimos vinte anos. Comparado ao mesmo período de 2023, quase todos os biomas brasileiros apresentaram aumento na quantidade de incêndios.
Enquanto o Brasil ardia desde o início do ano, os organismos ambientais ficaram paralisados numa greve branca, refletindo não apenas um colapso de ação, mas uma crise estrutural de gestão na política ambiental. A demora em responder ao aumento dramático das queimadas é apenas a ponta do iceberg de uma série de decisões equivocadas e da inércia governamental. Mesmo diante de um cenário de emergência, as ações se limitaram a espasmos de engajamento, sem plano consistente de prevenção e combate aos incêndios.
Na semana passada, após meses de inação e desencontros, o Supremo Tribunal Federal (STF), por decisão do ministro Flávio Dino, finalmente autorizou a liberação de créditos extraordinários para enfrentar os incêndios na Amazônia e no Pantanal. No entanto, o fato de que essa decisão tenha sido tomada após o impacto devastador das queimadas já estar consolidado expõe quão desarticulada é a política ambiental brasileira.
“O Brasil não sabe enfrentar as inundações nem as queimadas. Imagine se tivesse que lidar com furacões”
Mas os problemas vão muito além da demora na tomada de decisões e na liberação de verbas. O verdadeiro cerne da questão é a falta de coordenação dentro do governo e a subordinação do Executivo ao Judiciário na implementação de medidas de combate aos desastres ambientais. O que deveria ser uma resposta proativa, baseada em dados científicos e políticas públicas claras, se transformou em um lento jogo pleno de indefinições e demora em reagir a problemas emergenciais.
A política ambiental do Brasil, além de falha em sua execução, sofre de uma gestão errática e mal orientada. Está contaminada por um ambientalismo de gabinete que, por exemplo, nem sequer se importa com a questão do saneamento. Basta ver o Acre, estado da ministra Marina Silva, que apresenta índices vergonhosos de saneamento, com esgoto a céu aberto, contaminando rios e igarapés. Voltando às queimadas, mesmo com repetidos alertas de que a situação climática é grave, não houve preparo adequado para enfrentar o problema, tampouco a construção de narrativa que desse algum conforto à cidadania.
É verdade que muitos incêndios que ocorrem no Brasil têm origem criminosa, mas isso não exime o governo de sua responsabilidade em criar e implementar sistemas de alerta e intervenção rápida, a fim de evitar que o fogo alcance proporções devastadoras. Também é verdade que a incompetência governamental na gestão do meio ambiente não é exclusividade do atual governo, sendo uma questão histórica. Não sabemos enfrentar as inundações nem as queimadas, que são recorrentes. Agora, imagine se o Brasil tivesse que lidar com furacões ou nevascas? A situação que se configura lembra uma expressão típica de Brasília. Existem dois tipos de problemas: os que se resolvem por si mesmos e os que não têm solução. Nossa política ambiental está emparedada nesse dilema.
Publicado em VEJA de 20 de setembro de 2024, edição nº 2911