Prazer, sou o ano-novo, mas pode me chamar de volatilidade. Minha tônica é a dúvida, pois ninguém sabe com precisão o que vai acontecer. Mas existem “anos-novos” mais incertos que outros, já que carregam equívocos e hesitações do passado recente que podem se refletir nos acontecimentos vindouros.
Como sou especial por conta das eleições de outubro, para os analistas políticos e os jornalistas sou como um champanhe millésime. Ao contrário de um Dom Pérignon, porém, o resultado final pode não ser dos melhores.
E por quê? Essencialmente porque, como algo novo, trago também comigo o acaso, o inesperado e o desconhecido, que batem à porta. Por exemplo, mal cheguei e o presidente Jair Bolsonaro já foi parar num hospital mais uma vez. Como dizia Machado de Assis, o inesperado sempre tem voto decisivo nos acontecimentos.
Também carrego na mochila a teimosia de muitos em não reconhecer a gravidade dos fatos. Por exemplo, a cada vez que acham que a pandemia vai acabar e, no entanto, ela ressurge — mais fraca ou mais forte, mas sempre causando danos e incertezas.
No ano-velho, uma mente “inteligente” inventou uma consulta pública para descobrir se se deve vacinar crianças contra a Covid-19. Imaginem se fossem fazer consulta pública para todas as vacinas, em vez de simplesmente consultar os especialistas que conhecem a resposta? É o triunfo da ignorância sobre a ciência.
Assim, com tantos erros grosseiros no ano passado, a carga que terei de arrastar, no Brasil, é perigosa: pandemia, inflação, desemprego, desabastecimento, colapso do sistema de saúde, aumento da criminalidade. Com todas as suas consequências.
“Dificuldades levam a narrativas com soluções fáceis, baseadas em demagogia e clientelismo”
Os aspectos mencionados estão postos e não são meras possibilidades. Um desaquecimento da economia já foi contratado e nem mesmo a injeção de auxílios emergenciais, ou algo do tipo, despertará a atividade, que certamente viverá tempos de juros altos.
Anos complicados costumam gerar escolhas eleitorais complicadas. Isso porque o calor dos acontecimentos acaba determinando o resultado do pleito, em detrimento das questões de fundo que o país deveria enfrentar.
As dificuldades do ano poderão reforçar as narrativas que apresentam soluções fáceis, por meio de demagogia e clientelismo. Mas o eleitor, tal qual Carlos Lacerda um dia recomendou, não deve acreditar em políticos que propõem soluções fáceis.
Como ano-novo, mal entrei na cena. Mas observo que a polarização eleitoral hoje disseminada no país não permite uma visão clara do que vem pela frente nem tampouco de quais seriam as melhores soluções para cada problema.
Bolsonaro parece um Pac-Man sem energia, correndo dos adversários e dos problemas que cria. O ex-presidente Lula continua no vestiário, enrolando para não ter de entrar em campo mais cedo. Os demais interessados em disputar a vaga de presidente no Palácio do Planalto lutam para se qualificar e obter a promoção para a Série A das eleições.
Não ponham a culpa em mim. Sou mais ou menos como 1942 na II Guerra Mundial. Naquele ano, ainda não se sabia quem ia ganhar a guerra, mas já se tinha certeza de que a situação ficaria volátil e ruim por algum tempo.
Publicado em VEJA de 12 de janeiro de 2022, edição nº 2771