
O segundo semestre político começou sob o impacto de dois episódios reveladores. O primeiro foi a invasão da Mesa Diretora da Câmara por deputados insatisfeitos com a condução da pauta da anistia de Jair Bolsonaro e de seus aliados. O segundo, a decisão do presidente do Senado, Davi Alcolumbre, de não dar andamento ao impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes. Os fatos expuseram a fragilidade das lideranças no comando das Casas Legislativas.
O gesto dos deputados teve peso simbólico e político. A anistia a Bolsonaro, tema altamente sensível e polarizador, inflamou a base e gerou um cenário de confronto aberto. Hugo Motta viu sua autoridade questionada justamente no espaço que simboliza a ordem e o comando da Câmara. Embora a situação tenha sido contida, ficou claro que sua liderança terá de enfrentar pressões intensas sempre que temas ligados a Bolsonaro estiverem em debate.
Alcolumbre caminhou sobre terreno movediço. Ele buscou evitar choque direto com o Supremo, mas desagradou à base bolsonarista, que vê no Senado o espaço natural para confrontar o Judiciário. O movimento projetou Alcolumbre como uma liderança que aposta na moderação, mas revelou o risco de fissuras dentro do seu arco de sustentação.
“Tanto Motta quanto Alcolumbre viram escapar das mãos uma arena estratégica como a CPMI do INSS”
Os dois episódios mostram presidentes das Casas que precisam lidar com bancadas cada vez mais autônomas e dispostas a desafiar acordos. Isso ocorre em um semestre crucial, no qual temas de natureza fiscal e orçamentária dominam a pauta — da regulamentação da reforma tributária à revisão do arcabouço fiscal, passando pelos vetos presidenciais e pela pressão por emendas. A consequência é clara: a previsibilidade do processo legislativo se reduz. O Executivo perde capacidade de antecipar votações, e os próprios líderes do Congresso veem a necessidade de negociações mais fragmentadas. A articulação torna-se mais trabalhosa e sujeita a sobressaltos.
Essa nova realidade ganhou expressão imediata na CPMI do INSS. Tratada como uma das primeiras grandes batalhas do semestre, a comissão fugiu ao controle das cúpulas. Tanto Motta quanto Alcolumbre viram escapar das mãos uma arena estratégica. A CPMI expôs, em definitivo, que a fragilidade demonstrada nos episódios da anistia e do impeachment reverberou em perda de controle sobre a dinâmica interna do Congresso.
Hugo Motta, visando restabelecer sua liderança, acelerou a votação da PEC das Prerrogativas, apresentada como uma resposta política ao tensionamento institucional. A proposta, que reforça a proteção de parlamentares, foi interpretada como gesto de afirmação de autoridade frente às bases insatisfeitas e como tentativa de reposicionar a Câmara na disputa de protagonismo com o Judiciário. Embora a tramitação dependa de composições delicadas, o avanço da PEC simboliza a estratégia de Motta de mostrar firmeza.
O semestre, portanto, começa com um Congresso mais imprevisível, lideranças mais pressionadas e bancadas dispostas a testar os limites do sistema. Um cenário que exigirá habilidade política redobrada para evitar que a pauta fiscal e orçamentária, vital para a estabilidade do país, se transforme em mais um foco de crise. Tudo agravado pela crescente influência dos movimentos pré-eleitorais de 2026.
Publicado em VEJA de 29 de agosto de 2025, edição nº 2959