No Brasil contemporâneo, a dinâmica entre os poderes Executivo e Legislativo evoluiu significativamente, marcada por uma constante busca de equilíbrio e eficácia governamental. Há anos, alertei sobre a transformação do modelo de governabilidade no país, onde o software político exigia uma coabitação inequívoca, uma previsão que se confirma atualmente.
Tradicionalmente, o governo controlava as ações legislativas por meio da distribuição estratégica de verbas e cargos, criando uma maioria no Congresso Nacional baseada no princípio do “toma lá dá cá”. No entanto, a partir de 2014, o Congresso despertou para seus poderes constitucionais, especialmente quanto ao controle do Orçamento, que, anteriormente, era apenas validado pelos parlamentares a pedido do Executivo.
Essa evolução representa um avanço democrático significativo, pois incorpora um sistema de freios e contrapesos fundamental para a manutenção da democracia, já que promove a divisão e o equilíbrio do poder entre Executivo, Legislativo e Judiciário. No Brasil, essa divisão é evidente não apenas na teoria, mas também na prática cotidiana, com debates judiciais e legislativos frequentes sobre leis e políticas públicas.
O processo decisório no Legislativo, exemplificado pela gestão de Arthur Lira na Câmara dos Deputados, revela uma sistemática com diálogo e pluralismo pouco percebidos e que deveria ser valorizada, sobretudo pela busca incessante de consenso. Toda terça-feira, o processo começa com um café da manhã, do qual participam o presidente da Câmara e os líderes da oposição e onde a pauta da semana é repassada. Na hora do almoço, o quórum aumenta, incluindo os líderes partidários. Nada do que é votado no plenário deixa de ser discutido com os líderes. Todos.
“O fortalecimento do Legislativo de 2015 para cá foi decisivo para a aprovação de diversas reformas importantes”
Naquela mesa se define o futuro da legislação do país, com Lira ouvindo todas as correntes políticas existentes e representadas na Câmara e articulando consensos. Tal fato revela uma pluralidade na condução do processo decisório no país que, sem dúvida, é um avanço democrático, já que, no mínimo, todas as forças representadas na Câmara sabem o que está sendo votado, rejeitado ou aprovado.
O fortalecimento do Legislativo de 2015 para cá foi decisivo para a aprovação de diversas reformas importantes, como a trabalhista, a previdenciária e a tributária, todas resultantes de intensas negociações e debates no Parlamento. Antes, era penoso o avanço das reformas constitucionais e muitas vezes nada acontecia.
A atuação do Congresso em 2023 representa um exemplo da eficácia desse sistema, com mais de 7 000 proposições analisadas e 228 votadas, refletindo uma agenda legislativa diversificada, que abrange desde reformas econômicas até a promoção de programas sociais e de sustentabilidade ambiental.
Assim, o sistema de freios e contrapesos no Brasil tem demonstrado sua vitalidade e relevância, garantindo que nenhum ramo do governo detenha poder absoluto. E a repartição de poderes impediu que arroubos autoritários ameaçassem, de fato, a nossa democracia. Com um presidencialismo autocrático, viveríamos um grave retrocesso. O Legislativo, como a Casa do Povo, e também dos estados, é o centro do debate das políticas nacionais. E é assim que deve ser.
Publicado em VEJA de 26 de abril de 2024, edição nº 2890