O ano político começa no Brasil depois do Carnaval. E a situação que se apresenta é bastante peculiar ante a história do país: temos um governo que se mostra forte, mas que perde espaço institucional para o Legislativo.
A polarização constatada nas eleições de 2018 se ampliou e se transformou em uma multipolarização com, pelo menos, cinco núcleos: a direita bolsonarista; a direita não bolsonarista; o centro político; a esquerda lulista; e os demais fragmentos da esquerda.
No ano passado, os conflitos e as narrativas duras não impediram o avanço da agenda de reformas. Agora, porém, os agentes econômicos e o mercado financeiro veem com preocupação a elevação do tom na discussão entre o governo e o Congresso. O que deve acontecer?
Temos uma disputa institucional em curso. Não é nova e envolve os três poderes. Há tempos ocorre uma espécie de acomodação das placas tectônicas em Brasília. O Judiciário, por exemplo, se afirmou com a judicialização da política a partir do julgamento do mensalão.
Após a crise do presidencialismo de coalizão na era Dilma (PT), o Legislativo ampliou o controle sobre o Orçamento da União e criou dificuldades para a edição de medidas provisórias.
Mais recentemente, a maneira de governar do presidente Bolsonaro acelerou um processo que, no limite, poderá resultar em um semiparlamentarismo de coalizão, no lugar do abandonado presidencialismo de coalizão.
“Agentes econômicos veem com preocupação a elevação do tom entre governo e Congresso”
Esse novo regime é formado por um grupo de partidos conhecido como Centrão, hoje sob a liderança do presidente da Câmara, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ), que controla a pauta do Congresso. Salvo uma crise política de grandes proporções ou um fato novo extraordinário, nada será aprovado neste ano fora da coordenação do Centrão.
O governo, apesar de seus imensos poderes, estará a reboque, caso não estabeleça uma eficiente coordenação política nem amplie o diálogo com as forças políticas que apoiam sua agenda. O bom caminho está na política.
O quadro é delicado, já que as disputas podem acirrar as narrativas. E esse desdobramento pode levar a retaliações. O estado febril nas relações entre o Executivo e o Congresso ainda não afetou a agenda. Mas preocupa. Avançar com as reformas administrativa e tributária em um ambiente pacificado já seria tarefa difícil. Caso a crise de relacionamento se agrave, o ritmo de votações poderá ficar comprometido.
Tudo o que o Brasil não deseja no momento é a paralisia das reformas. Ataques e manifestações contra as instituições são um péssimo caminho.
O aspecto positivo do momento é que os poderes, com algumas diferenças de intensidade, estão engajados em manter o ciclo de reformas. Mas a convergência de agendas tem de se mostrar mais clara para a sociedade, que, por sua vez, deve se apresentar engajada no debate. Nota-se que os setores produtivos aplaudem de longe as pautas, no entanto não atuam de forma intensa, como na reforma da Previdência.
O que se debaterá neste ano no Congresso é essencial para o futuro do Brasil, que já perdeu tempo demais. O momento exige responsabilidade por parte das elites e por parte das instituições.
Publicado em VEJA de 4 de março de 2020, edição nº 2676