Na política, os líderes muitas vezes se encontram diante de um dilema complexo: seguir suas convicções ou ceder à conveniência política. Esse dilema não é novo, mas sua relevância persiste em moldar os rumos da governança e da tomada de decisões em todo o mundo.
A convicção política representa a força motriz por trás das ideias e dos ideais que os líderes defendem. É a bússola que orienta suas ações e decisões, muitas vezes baseadas em princípios fundamentais e valores arraigados. Ela impulsiona a defesa apaixonada de causas, mesmo quando isso implica enfrentar oposição feroz ou tomar medidas consideradas impopulares.
A conveniência política é um reflexo da realidade pragmática da governança. Ela reconhece as limitações do poder político e a necessidade de firmar compromissos para alcançar objetivos tangíveis. Esse princípio, muitas vezes, exige concessões e adaptações às circunstâncias políticas e sociais, buscando-se o equilíbrio entre os ideais e a capacidade de implementá-los efetivamente.
O governo Lula 3 precisa delimitar os campos da convicção e os da conveniência, a fim de não se inviabilizar pelas disputas internas e pelo dilema entre as duas posturas. E a melhor forma de temperar a conveniência com a convicção é ter uma boa leitura das circunstâncias. Sem ela, projetos políticos baseados apenas em convicções naufragaram estrepitosamente.
“A gestão de Lula consome capital político e pode começar a viabilizar o retorno do bolsonarismo”
No entanto, é importante destacar que o dilema entre convicção e conveniência não é necessariamente uma dicotomia rígida. Na prática, os líderes políticos inteligentes frequentemente buscam um equilíbrio entre esses dois princípios, navegando habilmente pelos desafios da governança.
Não cabem — em uma economia globalizada como a nossa — a administração por arrancos, convicções “lacradoras” e resultados inconsistentes.
Por exemplo, a questão da “reoneração” da folha é uma tragicomédia sem fim que se arrasta desde o ano passado e agora está em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Aliás, a recorrência à Suprema Corte para decidir impasses e disputas entre o Executivo e o Legislativo causa mal-estar no STF e provoca insegurança jurídica no setor privado — e também no Congresso Nacional. Além da reação dura do presidente Rodrigo Pacheco (PSD-MG), que criticou o recurso ao Judiciário, lideranças partidárias relataram a esta coluna que esperam que a relação entre o Executivo e o Congresso continue instável.
No quadro eleitoral, o governo consome capital político e pode começar a viabilizar o retorno do bolsonarismo ao poder. Pelo fato de não temperar convicção com conveniência, não conter as disputas internas, não fazer uma leitura consistente do momento político e, ainda, por não comunicar bem o que faz de bom.
O governo Lula 3 já caminha, em um ano curto, para a sua metade e continua desorganizado e sem entender que a espaçonave Brasil tem uma cabine pequena e três pilotos: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário. Enquanto o governo se debate entre a convicção e a conveniência e enfrenta dificuldades, o mundo gira e o Brasil aguarda as instituições políticas arquivarem o passado, encararem o presente e construírem o futuro.
Publicado em VEJA de 3 de maio de 2024, edição nº 2891