![Russian President Vladimir Putin chairs a meeting of big businesses at the Kremlin in Moscow on February 24, 2022. - Russian President Vladimir Putin on Thursday said his country wanted to remain part of the world economy and had no plans to harm it. Russian President Vladimir Putin launched a full-scale invasion of Ukraine on Thursday, killing dozens and triggering warnings from Western leaders of unprecedented sanctions. Russian air strikes hit military installations across the country and ground forces moved in from the north, south and east, forcing many Ukrainians flee their homes to the sounds of bombing. (Photo by Alexey NIKOLSKY / SPUTNIK / AFP)](https://veja.abril.com.br/wp-content/uploads/2022/02/000_323V3WD.jpg?quality=90&strip=info&w=1280&h=720&crop=1)
Ao invadir a Ucrânia, Vladimir Putin provocou a privatização da guerra. Tal fenômeno é novo na escala em que ocorre. Com a agressão à Ucrânia, o presidente da Rússia mobilizou contra si, e contra a Rússia, as forças privadas do mundo. Nem na II Guerra se viu algo parecido, fosse por causa das limitações da globalização na época, fosse pela incapacidade de o setor privado se mobilizar.
A reação do setor privado vai além das sanções tradicionais, ao jogar o tema da guerra para uma esfera que, até então, era específica das nações. Há de considerar que o tamanho da reação no mundo privado e na sociedade civil a essa guerra revela a dimensão da traição cultural e de princípios que a Rússia de Putin está praticando perante o mundo.
E a dimensão do engajamento do mundo privado contra a Rússia é único e inédito. Ao invadir o país vizinho, Putin declarou guerra contra Google, Starbucks, Heineken, Amazon, Apple, Facebook, entidades esportivas, Mastercard, Visa e todo o sistema financeiro ocidental, entre outras grandes empresas. E, por tabela, contra os consumidores desses produtos.
Além do setor financeiro e das plataformas sociais, uma coalizão do mundo privado e da sociedade civil está promovendo o cancelamento da Rússia de Putin. A consequência é o recrudescimento de um preconceito que já existia contra a cultura e as expressões daquele país.
A guerra em curso, além do conflito bélico, cria uma batalha de narrativas, e as narrativas precisam de plateia para circular. No entanto, a maior parte da audiência no mundo não acredita na narrativa russa. Provavelmente, nem mesmo a maioria dos russos.
Por isso haverá, de forma crescente, uma repulsa internacional a tudo que se relacionar ao país. E, em consequência, uma crescente desconfiança interna em relação às autoridades locais.
A Guerra do Vietnã foi vencida na opinião pública, que desarmou o ímpeto bélico dos Estados Unidos no conflito. Ainda que a Rússia seja uma sociedade muito mais fechada, as ferramentas da globalização conseguem vencer barreiras e levar informações e questionamentos aos quatro cantos do globo.
Outro fator é que países que tinham diferenças conceituais se uniram e mostraram não apenas rejeição ao conflito, mas apoio à Ucrânia. De maneira absolutamente indesejável, a Rússia uniu, ao menos temporariamente, o mundo. Essa guerra é uma espécie de Guerra dos Mundos, na qual duas culturas entraram em conflito em múltiplas plataformas. Revela uma desconexão por parte das autoridades russas no mundo de hoje.
A guerra está jogando a Rússia para uma liga alternativa e obscura do planeta. Na prática, como disse em texto anterior, Putin pode conquistar territórios e até impedir a Ucrânia de aderir à Otan, mas a derrota russa parece inevitável. Ainda que a guerra termine amanhã, o dano à imagem do país levará anos para ser reparado.
Enfim, o conflito é quase um revival do que ocorreu na II Guerra, só que turbinado pela participação das empresas privadas e pela midiatização, provocada pela mídia e pelas redes sociais. Sendo uma questão cultural, a disputa irá além do conflito, agora localizado na Ucrânia.
Publicado em VEJA de 16 de março de 2022, edição nº 2780