Vitória da direita na eleição presidencial da Polônia não muda nada
O eleito é do mesmo partido do atual presidente e deve levar adiante um certo conflito com o primeiro-ministro, mas tudo dentro do jogo democrático

Pelo sistema político misto da Polônia, o presidente manda muito pouco: o governo cabe ao primeiro-ministro. Com funções mais cerimoniais, o presidente tem apenas um poder, o de veto, o que lhe dá certa capacidade de intervenção política, mas não de mudar rumos.
O que não elimina o fato de que o presidente eleito, Karol Nawrocki, vai chegar com gana de interferir no jogo. Ele é mais midiático do que o atual presidente, Andrzej Duda, com uma veia mais populista, embora ambos sejam do mesmo partido, o Lei e Justiça. Por enquanto, não há nenhuma grande guinada, ao contrário das análises alarmistas que prenunciavam uma vitória da direita como se fosse o fim do mundo. No outro lado do espectro político, também houve exageros, como o de dizer que a eleição do novo presidente foi um golpe grave na União Europeia.
A campanha mostrou um Nawrocki fora do padrão de patriota católico, bem diferente da imagem de historiador carola, com um passado de brigas com torcedores de futebol de times adversários, conexões com figuras nada santas no seu tempo de praticante de boxe e até intermediação entre garotas da noite com hóspedes do hotel onde trabalhou como segurança.
Seria um escândalo para um país conservador como a Polônia, mas, por uma diferença mínima, o eleitorado preferiu Nawrocki. Nem ele nem nenhum político que conte prega a ruptura com a União Europeia, embora seja, obviamente mais tendente aos temas da soberania nacional. É um fator de atrito porque todas as tendências políticas que contam na Polônia são extremamente avessas às cotas para imigrantes estrangeiros que a União Europeia tenta implantar, sem sucesso.
RISCO EXISTENCIAL
A oposição inclui os centristas atualmente no poder, com Donald Tusk como primeiro-ministro. Tusk foi presidente da Comissão Europeia, mas não tem nenhuma tendência para o suicídio político e também rejeita as cotas. Diante da vitória de Nawrocki, Tusk vai pedir uma moção de confiança. Como ele tem uma maioria precária, não é impossível que perca. É do jogo.
Também é praticamente unânime entre os principais partidos políticos o pavor à Rússia e o apoio à Ucrânia, atitudes enganchadas na história polonesa. Isso não elimina pontos de atrito, inclusive por causa do grande número de refugiados ucranianos na Polônia. Existem divergências também pelo tratamento diferenciado dado pela União Europeia a produtos agrícolas ucranianos, em prejuízo dos produtores poloneses.
Ter elementos políticos de enfoques diferentes faz parte das regras do jogo das democracias. A tensão entre o presidente eleito e o primeiro-ministro pode levar a outras mudanças, mas o mundo não acaba por causa disso. De um ponto de vista mais neutro, é até bom para a Polônia ter um presidente que desfrute da simpatia de Donald Trump, o que ajuda a segurar a tendência do presidente americano a relevar tanta coisa no comportamento de Vladimir Putin.
Para a Polônia, é um risco existencial uma Rússia territorialmente ambiciosa, com pretensões a restaurar fronteiras do passado, seja da era imperial, seja do período soviético. O país já foi invadido, dividido e até nacionalmente dissolvido pelo gigantesco vizinho.
Isso é o que conta, acima de todas as divergências políticas.