Vem chegando o General Inverno e notícias não são boas para Ucrânia
Resistência russa inquebrável, táticas discutíveis e até exigências bem fortes de combate à corrupção formam um quadro negativo

No inverno, para tudo. A neve impede grandes deslocamentos e fica um lado atirando no outro, nas trincheiras, sem esperança de grandes avanços.
Problema: um impasse, tal como existe no momento, é ruim para a Ucrânia. Sem avanços significativos, a contraofensiva lançada em junho ficará mais paralisada ainda.
Nessa hora de notícias ruins, afloram os problemas. Até os mais fiéis aliados enxergam percalços que antes relevavam. “Os ucranianos continuam cometendo os mesmos erros táticos”, escreveu no Telegraph o analista militar Tim Collins, coronel da reserva do exército britânico.
“É necessária uma revisão completa de doutrina para preparar agora a retomada das operações ofensivas na próxima primavera”, avisou ele. Ou seja, até o segundo trimestre do ano que vem, nada vai ser alcançado. Collins reclama que os ucranianos usam equipamentos fornecidos pela Otan e uma doutrina militar datada da era soviética. Não pode dar certo, avisa — repetindo críticas que já tinham sido feitas pela cúpula militar alemã.
Outro problema apontado por ele: os combatentes com experiência já foram todos dizimados. “Os militares profissionais de antes da guerra já se foram. Até os reservistas, incluindo os que tinham alguma experiência ou treinamento, foram extremamente reduzidos em números. A guerra está sendo travada agora por recrutas civis”.
São palavras dolorosas, embora realistas. Refletem a avaliação de baixas feita pelos Estados Unidos: 70 mil mortos e de 100 mil a 120 mil feridos. O número calculado de perdas russas é de 300 mil — mas, com uma população três vezes maior do que a ucraniana, a capacidade de reposição humana se impõe.
Politicamente, o momento também é complicado. O Congresso americano suspendeu por 45 dias a ajuda sem a qual a Ucrânia não sobrevive. A unidade ocidental acabou de sofrer mais uma fissura com a volta ao poder na Eslováquia de Robert Fico, abertamente simpatizante de Vladimir Putin. Seu país tem apenas 5,4 milhões de habitantes e nenhuma projeção estratégica, mas a União Europeia e a Otan precisam de consenso unânime para ajudar a Ucrânia, não dissidências.
As pressões americanas sobre a Ucrânia para o combate à corrupção também são muito maiores do que fazem supor os abraços e trocas de promessas entre Joe Biden e Volodymyr Zelensky. Um documento obtido pelo site Politico mostra que “estão acontecendo conversas diretas nos bastidores”, segundo disse uma fonte do governo.
Não adiante reclamar da ironia das pressões provindas de um presidente cujo filho é suspeito de ter feito negócios menos legítimos do que a ética exige justamente com uma grande empresa ucraniana. Quem paga a conta são os Estados Unidos e, assim, podem pressionar como quiserem. A recente queda do ministro da Defesa, um amigo de Zelensky, e de toda a alta cúpula do ministério mostra isso.
O documento obtido pelo Politico foi feito pelo Departamento de Estado e fala também em reforma do aparato de segurança de forma a obter uma “abordagem descentralizada e tolerante ao risco na execução de tarefas” e na “redução de oportunidades de corrupção”. Foi inventada até uma palavra “desoligarquização”, em especial do setor de minas e energia.
Em resumo: a casa não caiu para a Ucrânia, mas o telhado está pegando fogo e não há indícios ou insuficientemente fortes de uma virada no campo militar que insuflaria o apoio político e neutralizaria barbaridades como as ditas por Dmitri Medvedev. O ex-presidente russo, reduzido ao papel de poodle de Putin, voltou a rosnar sobre uma III Guerra Mundial depois que o novo secretário da Defesa do Reino Unido, Grant Schapps, cogitou o envio de militares britânicos para treinar combatentes ucranianos in loco.
O papel de Medvedev é esse mesmo: enunciar o inominável, sinalizando a perspectiva de uma guerra nuclear. Dizer que o apoio à Ucrânia vai desembocar na destruição planetária é um dos principais instrumentos da propaganda russa. Resistir a esse tipo de terror psicológico exige muita convicção não só da justiça da causa ucraniana como da certeza da vitória da causa.
É esta última parte que está vacilando agora.