Trump versus Hillary: o inimigo mora ao lado
Os dois principais candidatos enfrentam oposição em suas próprias fileiras

A atual campanha presidencial americana não só é a mais cheia de surpresas das últimas gerações, mas também tem uma peculiaridade única. Donald Trump é apoiado pelas bases republicanas e repudiado pela cúpula do partido. Hillary Clinton tem a elite democrata na mão, mas enfrenta uma resistência considerável do eleitorado habitual.
Os problemas de Hillary são, por enquanto, menores. Mas pipocam indícios de tirar o sono dela e de seus magos eleitorais. Primeiro, o que os especialistas chamam de fator entusiasmo. Hillary está tirando menos gente de casa para votar nela nas primárias. Mais preocupante ainda, começa a acontecer um fenômeno parecido com o dos democratas pró-Reagan, ou seja, eleitores tradicionais do partido que votaram em Ronald Reagan para presidente em 1981. Em Massachusetts, um estado pequeno mas importante pelo alto nível do eleitorado, 20 mil pessoas deixaram o Partido Democrata – nos Estados Unidos, os eleitores podem se registrar por cada um dos dois partidos, além da opção de se declararem independentes. Cerca de 3 500 aderiram ao Partido Republicano, preferencialmente para votar em Donald Trump.
Para sorte de Hillary, embora Trump seja sem dúvida o adversário que mais teme, a guerra interna no Partido Republicano está atingindo níveis de massacre. Trump recebeu até agora pouquíssimas manifestações de apoio de deputados, senadores e governadores republicanos. A exceção, entre estes últimos, foi Chris Christie, o governador de Nova Jersey que parece saído da série Sopranos, mas não tem nada de conservador tradicional.
Aliás, a mais recorrente acusação das lideranças tradicionais é que Trump não tem nada de conservador, o que tem uma boa dose de verdade. Revistas tradicionais do conservadorismo bem-pensante estão investindo contra Trump com todos os seus consideráveis recursos intelectuais, sem nenhum efeito, evidentemente, entre o povão.
O último ataque contra Trump partiu de Mitt Romney, candidato presidencial republicano derrotado em 2012 por Barack Obama. Muitos críticos do político mórmon dizem que ele perdeu por não conseguir enfrentar o jogo pesado, quando não sujo, dos adversários democratas e vacilar nas investidas contra o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, acuado pelo receio bastante compreensível de ser acusado de racismo.
Toda a energia que não demonstrou contra Obama, Romney despejou sobre Trump. “Ele não tem o temperamento de um líder estável e ponderado. Sua imaginação não pode ser combinada com o poder real”, disse. “Se nós republicanos escolhermos Donald Trump como nosso candidato, as perspectivas de um futuro próspero e seguro serão enormemente afetadas.”
São palavras assustadoras, quase desesperadas diante da aparente inevitabilidade da escolha de Trump pelas bases do eleitorado republicano. Alguns políticos do partido já começam a indicar aflição diante das manobras da cúpula em favor de qualquer um dos candidatos que possa derrotar Trump, Ted Cruz ou Marco Rubio, temendo que os eleitores se considerem novamente traídos – exatamente o tipo de sentimento que está alimentando a ascensão de Trump.
“Ele implorou meu apoio. Eu poderia ter dito: ajoelhe-se, Mitt. E ele teria se ajoelhado”, respondeu Trump, retomando a virulência habitual, depois de alguns movimentos para parecer mais magnânimo e presidencial. Romney, de fato, celebrou a adesão do bilionário em 2012. Se os chefes da campanha democrata encenam tranquilidade e até uma espécie de “Hillarizinha paz e amor” para enfrentar Trump, é apenas isso: encenação. Um especialista em campanhas disse que todo o dinheiro, a capacidade de organização e a máquina partidária poderosa de Hillary têm uma fragilidade inerente diante de Trump. “Eles montaram um navio de guerra e estão enfrentando piratas somalianos”, comparou. De faca nos dentes e sangue nos olhos. Deus proteja a América.