Trudeau, Tom Hanks, Wajngarten: vírus é assim mesmo
Contágio de pessoas conhecidas mostra que novo elemento se espalha mesmo pela população e atinge dezenas e até centenas de milhões na 'hipótese pior'
Dificilmente havia um chefe de governo mais ansioso para fazer tudo certinho do que Justin Trudeau.
Nesse caso, ainda bem.
Trudeau se trancou em isolamento voluntário assim que voltou de uma viagem à Grã-Bretanha com a mulher, Sophie, com um pouco de febre e tossindo. Deu positivo.
Vai passar duas semanas assim, sem teste enquanto não mostrar sintomas (assim economiza recursos do sistema de saúde pública do Canadá que, como todos do mundo, será estressado pelo aumento de demanda do coronavírus).
Imediatamente começou um clamor para Donald Trump fazer o mesmo por causa da proximidade com Fabio Wajngarten, o secretário de Comunicação de Jair Bolsonaro, durante jantar no sábado no seu palacete-clube de Mar-a-Lago.
O senador republicano Lindsey Graham, que estava lá, já se trancou.
Nunca um integrante de qualquer governo brasileiro provocou tanto auê nos Estados Unidos.
Nem é preciso mencionar os sentimentos mais repugnantes que o contato de terceiro grau desperto entre antitrumpistas desatinados (exatamente os mesmo dos antibolsonaristas idem).
Na Espanha, a emergência corona contempla os dois extremos políticos.
Pablo Iglesias, o ultraesquerdista do Podemos que é vice-primeiro-ministro por causa da coalizão com o primeiro-ministro Pedro Sánchez, foi para o isolamento doméstico depois que o corona contagiou a mulher dele, Irene Montero, ministra da Igualdade.
Quase simultaneamente, o líder da ultradireita, Santiago Abascal, anunciou que também estava contagiado e isolado em casa.
Uma segunda ministra espanhola também deu positivo e, durante várias horas nada tranquilas, o governo inteiro correu o risco de ir para o isolamento, num momento de crise mundial.
A rainha Letizia, que havia se encontrado e trocado beijos e abraços com Irene Montero, também foi testada, juntamente com o marido, o rei Filipe. Negativo.
Do ator Tom Hanks ao jogador italiano Daniele Rugani, o novo coronavírus sobe a escala sócio-econômica, provocando o aumento no fretamento de jatos particulares entre os muito ricos e uma ainda discreta transferência para as mansões com bunkers que os bilionários mais paranoicos fizeram em lugares protegidos, como a Nova Zelândia.
Pessoas que viajam muito e participam de eventos onde são o centro das atenções de muita gente – itens do currículo de políticos e celebridades – podem estar até mais expostas do que os menos privilegiados.
A disseminação do novo vírus entre uma população “virgem” é rápida. Todo mundo conhece as tragédias entre as populações nativas que acompanharam a grande era dos descobrimentos.
Foi exatamente o que aconteceu com vários de seus antecessores, sem que houvesse tantas condições para a tempestade perfeita: as cenas assustadoras que começaram na China seguidas da derrocada dos mercados e a guerra do petróleo entre Arábia Saudita e Rússia.
Quando especialistas falam que “150 milhões de americanos poderiam ser infectados” (o medico Brian Monahan), “70 milhões de alemães podem ser contagiados” (a primeira-ministra Angela Merkel) e “100 mil mortos seria no pior cenário” (Martin Marshall, presidente do Colégio Real de Clínicos Gerais), estão falando de projeções.
De modo geral, é bom manter um saudável ceticismo diante de qualquer prognóstico que comece com o condicional “poderia”.
O imunologista americano Anthony Faucci, diretor do Instituto Nacional de Doenças Infecciosas, explicou o básico (e óbvio): “Precisamos ter cuidado com esse tipo previsões porque são baseadas num modelo”.
“Todos os modelos são tão bons quanto seus pressupostos”.
De novo, é o domínio alarmista do “pior cenário”, que faz parte do planejamento de catástrofes, mas não significa que vá acontecer.
Se a China, com 80 mil casos segundo a contagem mais recente, teve 3,1 mil mortes até agora, como morreriam 100 mil pessoas no Reino Unido?
Os casos na China vão continuar, obviamente, mas o pico já passou.
Preparar-se para o pior é obrigação de todas as autoridades responsáveis, ainda mais numa doença como a atual síndrome respiratória que transtorna completamente os sistemas de atendimento de emergência, pela gravidade e duração dos casos que demandam, em especial, ventilação artificial ou entubamento.
Segundo um levantamento vindo da China, os pacientes que não resistem, majoritariamente idosos com doenças pré-existentes, levam 18,5 dias, em média, até morrer. Os doentes graves que se recuperam ficam 22 dias internados.
Como a epidemia já está instalada, o objetivo, de forma geral, tem que ser estender a incidência dos casos de forma a diminuir a sobrecarga no atendimento médico.
A expressão referente a isso já até entrou no vocabulário da crise “achatar o sombrero”. Ou seja, diminuir a curva que tem o formato do chapéu mexicano.
Políticos e famosos (ou infames) são um nada nessa curva, mas é claro que seus casos despertam grande curiosidade.
Por enquanto. Nas próximas semanas, entrar para a quarentena vai se tornar muito mais disseminado e deixar de ser um assunto tão excepcional.
Exceto, claro, se Trump, ou algum outro presidente, for contagiado.
O precedente mais famoso, no Brasil, é o de Rodrigues Alves, levado pela mortífera Gripe Espanhola antes de assumir o segundo mandato.
Ironicamente, foi durante seu primeiro governo que houve a Revolta da Vacina, as manifestações populares contra as medidas de saneamento e a vacinação obrigatória contra a varíola.
Só para manter a perspectiva: a varíola matou entre 300 e 500 milhões de pessoas ao longo do século XX. Mais de 80% das crianças infectadas morriam.
Durante a grande epidemia do século XVIII, cinco monarcas reinantes morreram de varíola: Luís I da Espanha, Pedro II da Rússia, Luísa Hipólita de Mônaco, Luís XV da França e Maximiliano José da Baviera.
Justin Trudeau pode ter certeza que não vai entrar para uma lista desse tipo.