Três camadas de mísseis protegem Israel, mas não são invulneráveis
O país consegue sobreviver relativamente intacto porque tem múltiplos sistemas antiaéreos, colocados à prova por ataques do Hezbollah e do irã
Imaginem qual a gravidade da situação no Oriente Médio, já altamente perigosa, se a ação conjunta de Hamas, Hezbollah e Irã tivesse provocado várias dezenas de milhares de mortos com seus múltiplos ataques de foguetes e mísseis.
“Estamos lançando centenas de foguetes e dezenas de drones”, jactou-se ontem o chefe interino do Hezbollah, Naim Kassem, celebrando o ataque que “mudou a face do Oriente Médio” e a própria entrada da organização terrorista numa guerra com a qual o Líbano não tinha nada a ver, em 8 de outubro passado, além da sobrevivência dos combatentes e das baterias aéreas da organização terrorista.
Kassem está numa posição de alta precariedade, considerando-se que o número 1 do Hezbollah, Hassan Nasrallah, e seu sucessor designado – “E o substituto do substituto”, nas palavras do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu – já foram mortos em bombardeios que penetram nos mais profundos esconderijos debaixo da terra. Sua “abertura” a um cessar-fogo, sem condicioná-lo a Gaza, como é habitual, indicou os pontos fracos.
Mas o fato é que o Hezbollah, mesmo atingido pela tática israelense de decapitar a cadeia de comando, conseguiu fazer uma demonstração de sobrevivência e alguns foguetes furaram a invisível barreira de proteção que salva Israel da destruição pretendida por seus inimigos.
JOGO DO INIMIGO
Também é fato que alguns mísseis iranianos disparados na terça-feira da semana passada atingiram a base aérea de Nevatim, embora sem afetar os aviões de guerra lá baseados. A conclusão foi tirada por analisas estrangeiros com base em fotos de satélites e minimizada pelas autoridades israelenses – na guerra, dizer onde o inimigo furou as camadas de defesa é fazer o seu jogo.
O ataque do Irã, embora muito longe de envolver 90% de acerto, como afirmou o regime dos aiatolás, em sua realidade paralela, teve 20% dos mísseis não interceptados. Do total dos duzentos mísseis disparados que explodiram nos céus, 20% foram interceptados pelos Estados Unidos antes de entrar em espaço aéreo israelense, com participação de forças britânicas e jordanianas.
A avaliação do que aconteceu indica que o regime iraniano aprendeu com o primeiro ataque, no dia 13 de abril. Deixou de lado os drones, que havia utilizado em massa no ataque inicial, porque são detectados com grande antecedência e são fáceis de derrubar. Um dos modelos de míssil disparado na semana passada é chamado de Fattah, com capacidade de voar a cinco vezes a velocidade do som. Quanto maior a velocidade, mais difícil a interceptação.
Como Israel faz para escapar, até hoje, com danos bastante pequenos, mesmo que as pessoas tenham que correr para abrigos antiaéreos quando soam os alarmes e vivam sob alta tensão?
SANGUE FRIO
São três as camadas de defesas antiaéreas que protegem o país, cujas dimensões reduzidas tanto o tornam altamente exposto a ataques – tem, por exemplo, apenas nove estações geradoras de eletricidade, o que faz cada uma ter importância vital – como facilitam a barreira invisível.
A primeira e mais conhecida dessas camadas é a Cúpula de Ferro, bateria móvel que derruba mísseis de curto alcance, de até 70 quilômetros de alcance e 10 quilômetros de altitude. São os foguetes mais comuns, do tipo usado pelo Hamas, muitas vezes feitos com tubulações que deveriam prover água aos habitantes de Gaza e fertilizantes turbinados.
Cada foguete disparado é detectado por radares. O sistema de controle calcula sua trajetória e os operadores – humanos – têm que resolver se acionam os mísseis interceptadores ou deixam que os artefatos mal direcionados explodam em locais não habitados. Cada interceptador custa 50 mil dólares e a ideia é otimizar seu uso, demandando extremo controle situacional, também chamado de sangue frio, dos operadores.
O sistema foi projetado pela Rafael Advanced Defense Systems e pelas Indústrias Aeroespaciais de Israel, com colaboração e muito dinheiro dos Estados Unidos. Muitos países sonham em ter uma proteção similar, com um índice de acerto calculado em 90%. Imaginem o que é sofrer um ataque de 180 foguetes, como o de ontem do Hezbollah, e não ter nenhuma vítima fatal.
VIDEOGAME LETAL
Para mísseis de alcance maior, o sistema de reação é chamado de Funda de Davi – ou Varinha Mágica para israelenses. Tem capacidade para atingir mísseis balísticos de curto, médio e longo alcance, além de aviões, drones e mísseis de cruzeiro, que alteram sua trajetória. Custa um milhão de dólares cada vez que é disparado.
O terceiro sistema de proteção, o Arrow (Flecha), não é percebido em terra, como os que oferecem o letal videogame visto várias vezes nos céus de Israel. Intercepta mísseis a 50 quilômetros acima da superfície, na camada superior ou alta da atmosfera. Os atacantes começam a entrar em seu alcance a 2,4 mil quilômetros de distância. Custa três milhões de dólares por míssil.
A ideia dos inimigos é, obviamente, saturar as defesas, disparar tantos artefatos que a tríplice proteção acabe não dando conta.
A grande questão que mesmeriza o mundo no momento é como vai ser a reação de Israel ao último ataque iraniano. Internamente, existe grande pressão por uma retaliação de largo alcance, abrangendo instalações petrolíferas e até nucleares.
“Netanyahu entraria para a história como defensor de Israel e do Ocidente”, insuflou o parlamentar Mose Saada, do Likud, mesmo partido do primeiro-ministro.
Ao mesmo tempo, os Estados Unidos fazem pressão por uma resposta moderada – em troca, ofereceram a Israel até um pacote de benefícios diplomáticos e em armamentos. Joe Biden vai falar hoje por telefone com Bibi, depois de semanas de comunicações mantidas em níveis mais baixos devido ao péssimo relacionamento entre os dois. Segundo o New York Times, a hipótese do ataque a alvos nucleares está suspensa.
ONDAS DE BOMBARDEIOS
O Irã espalhou as instalações nucleares em mais de uma dezenas de pontos, escavados debaixo de montanhas, justamente prevendo que um dia poderiam ser atacadas por Israel, o país que o regime fundamentalista diz que pretende varrer da face da Terra.
Só sucessivas ondas de bombardeios de alto poder explosivo, feitos com aviões, poderiam atingi-las. Seria uma operação de alta complexidade, exigindo reabastecimento em voo devido à distância de quase dois mil quilômetros de Israel até os alvos.
O Irã reagiria em grande escala e as três camadas de proteção antiaérea poderiam, a certa altura, ser furadas, com consequências gravíssimas.
Mesmo em todas as guerras anteriores de países árabes contra Israel nunca existiu uma situação de extremo perigo como a que o país enfrenta agora. E nunca a tríplice proteção, produto de alta tecnologia, engenhosidade e, claro, muito dinheiro, foi tão necessária.
Não existe dinheiro que pague salvar vidas de sua própria população e também prover uma garantia que funcionou bem até agora, permitindo em si mesma, pela ausência de grande número de vítimas, conflagrações controladas. A tríplice proteção bancou conflitos que não se alastram vertiginosamente.
Ressalve-se o até agora.