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Tailândia: protestos e revolta contra o “último rei” do mundo

Como um Maradona oriental, o rei vive uma vida de excessos inimagináveis, mas estudantes atrevidos ousam dizer que chega

Por Vilma Gryzinski 27 nov 2020, 07h51

Já que é para protestar contra um rei que não só tem direito divino ao trono, mas é considerado uma encarnação da própria divindade, os jovens da Tailândia que desafiam as ordens repressivas pedem o impossível: a renúncia do primeiro-ministro, ex-ditador militar que foi eleito pelo voto; reforma constitucional e reforma da monarquia.

Muitas vezes, os protestos em frente ao conjunto de palacetes onde vive a família real são puramente simbólicos.

O rei Maha Vajiralongkorn, oficialmente Rama X – a referência à divindade hinduísta não é por acaso -, prefere viver na Alemanha.

A última temporada foi quando começou a pandemia e ele fechou um hotel inteiro nos Alpes para acomodar sua entourage, com destaque para as vinte mulheres da linha de frente, digamos.

A temporada deve ter sido produtiva, pois ele perdoou e acolheu de volta a esposa número três, a quem havia degredado por conspirar contra a rainha.

Ainda como herdeiro do trono, Maha estava na Alemanha quando foi fotografado de camiseta com barriga de fora e várias tatuagens temporárias. 

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A imagem bizarra correu o mundo, mas foi barrada em seu país, onde o crime de lesa-majestade é coisa séria e pode efetivamente render anos de prisão.

Também correu mundo o vídeo de uma festa de aniversário em que ele e a acompanhante aparecem menos vestidos que o poodle Fufu, o cachorrinho branco que Maha promoveu a marechal da Força Aérea.

O poodle já foi para o paraíso canino, mas deixou histórias como a do jantar oferecido pelo embaixador americano em que Fufu, com trajes de gala, pulou na mesa e começou a beber água das taças dos convidados.

Na Tailândia, o rei não tem poder de fato como nas monarquias árabes, mas também não é um chefe de estado obrigatoriamente apolítico, com autoridade apenas representativa, como nas monarquias europeias. 

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Num país com uma religião onde budismo e hinduísmo se mesclam, o monarca ocupa um lugar único de “culto reverencial”, segundo a constituição.

Não que a constituição seja muito respeitada. Fora as mais de vinte versões que já teve, volta e meia há um golpe militar. 

Juntas militares alternam-se com governos civis regularmente. O atual governo é uma espécie de híbrido: o general Prayut  Chan-o-cha trocou a farda pelo terno ou a elegante túnica em estilo tailandês usada por civis.

Por causa da intensa religiosidade popular, e da conexão entre o rei e a divindade, a monarquia é reverenciada pela maioria dos tailandeses. Prostrar-se de joelhos e depois barriga para baixo no chão diante do rei-deus faz parte do protocolo.

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É esse elo emocional que jovens manifestantes estão trincando com sucessivos protestos ao estilo atual, pegando um pouco de cada similar estrangeiro. Guarda-chuvas contra o gás lacrimogêneo, como em Hong Kong, e boias em formato de pato contra os canhões d’água.

Além do sinal de mão com os três dedos centrais erguidos, como em Jogos Vorazes.

O rei tem um histórico de vida desregrada, com excessos de várias naturezas, mas não é bobo. Desde que assumiu o trono, em  2016, aos 66 anos – um pouco menos do que o longo e respeitado reinado de seu pai -, fez vários movimentos para consolidar seu poder, como assumir o comando direto de unidades militares.

Ele também alterou a constituição para poder continuar morando na Alemanha, com visitas eventuais à Tailândia em datas importantes. E assumiu o controle do patrimônio da coroa, calculado, na estimativa mais conservadora, em 30 bilhões de dólares.

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Manifestantes mais ousados estão reivindicando que esta fortuna seja “devolvida ao povo”.

Grandes manifestações fazem parte do bioma político tailandês. Na última década, ombrearam-se os “camisas amarelas” – partidários da monarquia e dos militares, obviamente mais conservadores – e os “camisas vermelhas” de Thaksin Shinawatra, um milionário populista que se tornou primeiro-ministro e foi deposto num dos golpes habituais.

A atual onda tem componentes novos, mas no fundo bebe da mesma fonte: mudar um sistema em que o último rei-deus do mundo é usado, com maior ou menos participação, como uma peça valiosa no jogo do poder.

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