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Setenta anos na ‘carteira de trabalho’: uma rainha que parece eterna

Elizabeth II não precisa ser nomeada; basta dizer 'rainha' e todo mundo entende que é dela que se fala, resultado de viver muito e virar um símbolo global

Por Vilma Gryzinski 30 Maio 2022, 08h24

Quando se fala Inglaterra, Grã-Bretanha ou Reino Unido – várias designações para o mesmo espaço, embora não sejam a mesma coisa -, provavelmente as imagens que passam pelas nossas cabeças incluem o Big Ben, chuva, corridas de cavalo, mulheres de chapéu e, entre elas, única e soberana, a rainha.

Como apenas 16% da atual população mundial de 7,9 bilhões de pessoas haviam nascido quando ela foi coroada, em 2 de junho de 1953, aos 27 anos, carregando com a graça possível a coroa de 1 quilo e 280 gramas, o manto de veludo de 6,5 metros de comprimento, o vestido rebordado de pedrarias, dois braceletes de ouro simbolizando “a sinceridade e a sabedoria” e um colar de 25 diamantes, sendo o principal deles o Lahore, de 22 quilates, a rainha virou um brand, uma marca, um ícone, um símbolo de um país que encarna o próprio conceito de nação – talvez a única justificativa para algo tão anacrônico como uma monarquia ao estilo britânico.

Viver muito foi um dos feitos da mulher que não nasceu para ser rainha – só a abdicação de seu tio, apaixonado pela americana divorciada com quem não podia se casar, na época, levou seu pai ao trono e a princesinha Elizabeth Alexandra Mary a se tornar a primeira na linha de sucessão, aos doze anos.

E somente a morte precoce do pai, aos 56 anos, consumido por um câncer de pulmão, a tornou rainha com apenas 25 anos, em 6 de fevereiro de 1952, quando recebeu no Quênia a notícia que a pegou despreparada – precisou esperar, no avião que a levou de volta, que as roupas pretas de luto fosse levadas até lá, para desembarcar devidamente trajada.

Winston Churchill a esperava ao pé da escada do avião e, segundo alguns historiadores, não só venceu a relutância por ter uma rainha tão jovem como ficou um pouco apaixonado por ela.

Começar com Churchill como primeiro-ministro certamente foi um bom treinamento para lidar com os doze homens e duas mulheres que vieram depois dele, incluindo trabalhistas que, se pudessem, derrubariam – democraticamente – a monarquia e ainda fariam Elizabeth ler na abertura do Parlamento o discurso que encerraria um regime que tem mil anos de história mais ou menos contínua.

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Não fizeram, mesmo quando detinham a maioria no Parlamento, porque o povo não queria. O respeito e a afeição que a rainha provoca em todas as camadas sociais, não apenas entre os estratos conservadores que são seu público natural, impressionam até o mais cínico dos políticos.

Ter assumido a coroa muito cedo e vivido até os 96 anos, com uma dignidade que honra o posto para o qual foi ungida – literalmente, com uma mistura secreta de óleo de sésamo e de oliva, âmbar, civeta, flor de laranjeira, rosa, jasmim, canela, almíscar e benjoim – produziram o jubileu de diamante que a partir dessa semana será comemorado como um feito notável. Imaginem ter uma carteira de trabalho assinada sete décadas atrás e continuar no batente na medida que seus “problemas episódicos de mobilidade” permitam.

A saúde da rainha é um segredo respeitado. Ela tem problemas de joelho – quem não tem, aos 96 anos? E provavelmente problemas cardíacos que a levaram a aceitar recentemente o conselho dos médicos e deixar de beber álcool, depois de uma vida adulta inteira de jantares precedidos por um coquetel feito com gin e Dubonnet, preparado durante décadas pelo falecido marido, Philip.

Embora pareça que não, ela é mortal e tudo está preparado para o momento em que a senha for dada: “A Ponte de Londres caiu”. Até os abafadores de couro para os sinos que dobrarão em sinal de luto nas 16 mil igrejas britânicas estão sendo feitos.

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Em dez minutos, as bandeiras estarão a meio mastro. O Parlamento entrará em recesso durante os dez dias de luto. Charles, já como rei, falará à nação e partirá para uma viagem pelas quatro unidades que compõem o reino: a dominante Inglaterra, Escócia, Irlanda do Norte e País de Gales.

Por que Elizabeth não abdica logo e deixa o filho, que está com 73 anos, finalmente assumir a coroa para a qual foi treinado desde que nasceu? Ou pelo menos o nomeia príncipe regente e se recolhe para uma merecida aposentadoria entre seus castelos prediletos, Sandringham e Balmoral?

Todo mundo concorda que a rainha leva profundamente a sério a promessa de dedicação à nação, “pelo resto dos meus dias”, feita ainda na primeira juventude, e não pretende abrir mão dela, exceto em caso de impedimento total.

Por trás da imagem de boa velhinha, que se dirige a todos os interlocutores com infinita – e bem treinada – cortesia, Elizabeth II é focada na missão. Não permitiu que os sentimentos de mãe e avó prevalecessem sobre o seu dever de rainha quando cortou, implacavelmente, o filho Andrew e o neto Harry da linha de frente de membros da realeza, o primeiro por causa das acusações de abuso sexual (resolvidas com uma indenização de doze milhões de dólares, bancadas pela mamãe), o segundo por ter achado que poderia largar dos ônus da realeza e conservar os bônus.

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Andrew e Harry só participarão do ato religioso de ação de graças do jubileu de diamante, como todos os outros membros da família. Nas demais cerimônias, estarão no centro Charles e Camilla, William e Kate.

O entorno real está preocupado com a possibilidade, muito concreta, de que o retorno de Harry e Meghan desvie as atenções do tema principal, a rainha.

Também subsistem os críticos – “parasita” e “sanguessuga” são xingamentos frequentes -, fora os conspiracionistas que consideram a família real globalista, judia ou composta por lagartos extraterrestres que tomam forma humana para dominar o planeta. Os menos arrebatados, ou relativamente sãos, dizem que ela só sorri de forma realmente espontânea quando seus cavalinhos ganham algum prêmio.

Elizabeth II já chegou a um ponto em que paira acima disso. Vai participar das festividades que a saúde permitir, sem dúvida nenhuma com casacos coloridos desenhados pela camareira promovida a amiga, Angela Kelly, tão íntima que amacia os sapatos Anello & Davide – com gáspea alta, fivela dourada e saltinho quadrado – que viraram uma das marcas registradas da rainha, juntamente com as bolsas Launer, as luvas e os chapéus.

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Segundo Angela, filha de um estivador que ganhou um acesso sem precedentes a Elizabeth (“Não tem mais lugar nas minhas costas para punhaladas”, brincou, falando sobre a ciumeira que provocada) e escreveu dois livros plenamente autorizados, a rainha é “uma dama muito modesta”. Quando ainda morava em Buckingham usava apenas seis dos 775 cômodos do palácio.

Apelidada de AK47 por causa do temperamento explosivo, Angela conta que ainda fica com lágrimas nos olhos quando veste a rainha para as grandes ocasiões em que coroas e tiaras são tiradas do cofre.

Os diamantes resplandescentes – com brilho ressaltado por uma mistura de gin e água – fazem parte da grande encenação que é a monarquia, que mistura costumes de mais de mil anos com tradições inventadas ontem.

Quando sair dessa cena, Elizabeth encerrará uma era – positivamente avaliada: 57% dos britânicos acham que ela fez trabalho muito bom e 25% que se saiu bastante bem.

Qual político deixaria o palco com 82% de aprovação?

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