Se a direita fizer frente unida, ganhará eleição – e governo – na França
A questão é o ‘se”: líder da direita tradicional enfrenta críticas internas por anunciar que deseja projeto conjunto com o partido de Marine Le Pen
Primeiro-ministro Jordan Bardella, o ungido por Marine Le Pen? A hipótese começa a soar bastante concreta – e selaria uma derrota tanto para Emmanuel Macron quanto para sua açodada decisão de convocar eleições antecipadas na França.
Só para lembrar: a eleição para o Parlamento Europeu na qual o jovem Bardella brilhou, com 33% dos votos, não tem nada a ver com a política nacional francesa. Pelo menos, oficialmente. Na prática, funcionou como um plebiscito e o rejeitado Macron anunciou que a única saída honrada seria convocar eleições legislativas.
Bonito, como gesto, mas politicamente quase suicida. As pesquisas feitas depois da decisão de Macron que deixou o país em estado de choque, inclusive os políticos que têm apenas três semanas para fazer campanha, mostram resultados acachapantes para o presidente.
A Reunião Nacional, partido de Le Pen, saltaria dos atuais 88 deputados para 235 a 265. O partido de Macron, Renascimento, cairia de 250 para 125 a 155. A esquerda unida ficaria mais ou menos igual, com 115 a 145 deputados.
CHEIO DE IDEIAS
Se as previsões mais ousadas se confirmassem e o partido de direita populista se aliasse à direita tradicional, do partido Republicanos, que elegeria de 40 a 55 deputados, seria o suficiente para formar maioria na Assembleia Nacional de 577 membros.
“Precisamos de uma aliança ao mesmo tempo em que mantemos nossa identidade. Espero que minha família política vá nesse sentido”, disse ontem Éric Ciotti, o presidente dos Republicanos. No passado, o partido gaullista apoiou candidatos de centro, como Macron, só para impedir a eleição de Marine ou, originalmente, de seu pai, Jean-Marie Le Pen.
As coisas mudaram e hoje “a grande maioria de nossos eleitores” quer a frente unida, segundo Ciotti. Uma pesquisa indicou que 50% dos eleitores dos Republicanos aprovam a aliança.
Nomes importantes do partido rejeitaram a ideia, inclusive figuras conhecidas na França como Laurent Wauquiez, Valérie Pécresse e Michel Barnier. Alguns pediram a cabeça de Ciotti – completamente desprovida de cabelos, mas cheia de ideias sobre um atalho inesperado para o poder: ele seria uma das estrelas de um gabinete de direita.
DISCURSO MODULADO
Jordan Bardella, que como presidente do partido lepenista seria o primeiro-ministro se a direita tivesse maioria, prometeu apoiar candidatos dos Republicanos.
Mudaram os Republicanos ou mudou a França? As duas coisas aconteceram simultaneamente – sem contar que os lepenistas também passaram por uma repaginação, pelo menos de fachada, eliminando os piores ranços antissemitas e xenófobos.
Bardella faz sucesso porque é jovem e bonito, domina o universo TikTok e tem um discurso modulado para repercutir entre os eleitores que acham que a economia vai mal e a imigração, pior ainda, sem cair dos piores excessos da extrema direita.
A direita tradicional, com origem no gaullismo, a força dominante por tanto tempo, foi superada pela direita populista à la Le Pen.
Não é impossível que também entre na frente a sobrinha rebelde de Marine Le Pen, Marion Maréchal, que foi para a direita pura e dura, com discurso abertamente antimuçulmano.
PULSÕES E PODER
Ironicamente – ou talvez não, considerando-se outros fatores que pesam no quadro geral -, o partido ao qual se integrou, o Reconquista, é liderado por um intelectual judeu, Éric Zemmour.
Outro detalhe de uma família shakespeareana (ou rabelasiana?): Jordan Bardella mora com outra sobrinha de Marine, Nolwenn Olivier.
Marion Maréchal “traiu” a tia ao romper publicamente com ela – da mesma maneira que Marine “matou”, política e psicanaliticamente, o pai para expurgar seu partido do passado sombrio.
E Bardella ganhou a eleição interna do partido contra Louis Alliot, ex-marido de Marine.
Irá a direita gaullista entrar nesse vulcânico caldeirão de pulsões familiares e poder?
Os macronistas não estão vendo o circo pegar fogo sem fazer nada e o ex-primeiro-ministro Édouard Philippe “estendeu a mão” aos republicanos que discordem da frente direitista defendida por Éric Ciotti e queiram formar uma “frente europeísta”.
A política francesa está em ebulição – e quem insuflou a fogueira foi Emmanuel Macron. Até boataria sobre renúncia estava circulando.
E todo mundo concorda que Marine Le Pen, pensando no governo de seu protegido agora e na eleição presidencial de 2027 para ela, está lambendo os bigodes de satisfação, como os gatos da raça Bengal que cria.