Se a direita está por cima no Canadá, este político vai liderar o país
Justin Trudeau sai com o prestígio no chão, mas a vida não está resolvida para seu possível substituto, a começar pelo nome

Até para os bilingues canadenses, obrigados a aprender inglês e francês, é difícil pronunciar o nome de Pierre Poilievre. Ele vive respondendo: “Poalievre”, em francês, mas tudo bem se disseram, como acontece mais frequentemente, “Poliev”. O importante, brinca, é que “ponham um X no lado dele”.
É possível que ele tenha em breve a oportunidade de ver se funciona. Com a saída de cena de Justin Trudeau – em câmera lenta, pois seu Partido Liberal ainda tem que votar em que irá substituí-lo e ele fica interinamente –, Poilievre está na melhor posição para substituí-lo.
O bonitão, charmoso e bem falante Trudeau foi obrigado a reconhecer a realidade: os canadenses não querem mais saber dele. Numa pesquisa da semana passada, antes da renúncia, o Partido Liberal tinha 16% das preferências, um desastre de proporções telúricas.
O Partido Conservador tem 45%, o que o coloca muito próximo de fazer alianças para conseguir a maioria parlamentar e voltar ao poder depois da década em que Justin Trudeau parecia imbatível e tinha passe livre para declarações como o orçamento “vai se equilibrar sozinho” e, dirigindo-se a repórteres, outra joia, “me desculpem se eu não penso em política monetária”.
Com atitudes assim, além de taxação pesada sobre emissões de carbono, ele acabou com a paciência até dos tolerantes canadenses, que em grande parte se orgulham de ser uma espécie de americanos sem anabolizantes – nem armas nem capitalismo borbulhante, mas com uma economia avançada, estilo de vida de estado de bem-estar social e invejáveis 53 mil dólares de PIB per capita.
TOQUE DE TRUMPISMO
Enquanto a maior reclamação dos canadenses aumentava – a da alta dos preços de alimentos e imóveis –, Pierre Poilievre burilava o discurso para sintonizá-lo com o que faz sucesso hoje na direita, inclusive as tendências libertárias. Aspergindo tudo com um inevitável toque de trumpismo.
“Não estamos interessados nos conflitos etnoculturais do mundo. A maioria das pessoas vem para cá para se livrar disso”, já disse, numa entrevista ao canadense mais famoso do mundo – que não é Trudeau, mas Jordan Peterson. “Quando chegam aqui, são canadenses em primeiro lugar. Canadá em primeiro lugar”.
Poilievre tem credenciais familiares para contestar as bases do mundo woke: ele próprio é casado com uma canadense que nasceu na Venezuela, Anaida Galindo. O seu complicado sobrenome francês vem dos pais adotivos, franco-canadenses. A mãe biológica era uma adolescente de 16 anos.
Sobre economia, é ortodoxo: “Vamos cortar a burocracia, cortar as consultorias, cortar a ajuda externa”.
“Usaremos o que for economizado para diminuir o déficit e os impostos e liberar as forças do livre mercado. Vamos trazer de volta a disciplina monetária para diminuir a inflação e acabar com a impressão de dinheiro.”
“CASTRO JÚNIOR”
Comparados aos problemas brasileiros, o Canadá parece um paraíso – e muitos brasileiros qualificados procuram justamente a estabilidade e a segurança que oferece. Os dois países têm PIBs parecidos, na casa de 2,1 trilhões de dólares, mas a população canadense é de apenas 40 milhões de habitantes, com um imenso embora em muitas áreas gelado e inabitável, território de 9,9 milhões de quilômetros quadrados.
Quando os adversários políticos acusam Trudeau de arruinar o país, estão falando em termos canadenses.
Se vier a ser primeiro-ministro, Pierre Poilievre terá relações melhores com Donald Trump? Foi a ameaça de impor uma sobretaxa de 25% sobre as exportações canadenses que desencadeou o processo que culminou com a renúncia do já impopular Trudeau.
Uma certa identidade ideológica sempre ajuda e Trump sabe disso. Poilievre é considerado um membro do novo clube da direita que ascende em vários lugares do mundo, com características como populismo e nacionalismo.
Difícil vai ser rivalizar em matéria de notoriedade com Justin Trudeau, que mostrava o corpão em roupas de surfe, apareceu de maquiagem numa visita à Índia e se divorciou da mulher, Sophie, depois que ela se envolveu com um neurocirurgião argentino. Seus inimigos mais virulentos o chamavam de “Castro Júnior”, referência a um caso de sua mãe, a linda Margaret Trudeau, com Fidel Castro. Na época, ela estava casada com Pierre Trudeau, então primeiro-ministro, e tinha um estilo de vida heterodoxo.
Não dá para competir com isso. Poilievre, quando chegar sua vez, tem apenas que fazer um bom governo e provar o acerto de suas ideias. Não é tão difícil assim num país como o Canadá.