Russell Brand terminou casamento com Katy Perry por mensagem de texto
O que mais se poderia esperar do abusado humorista que era de esquerda e virou de direita e agora encara o inevitável escândalo
O mais surpreendente no caso da enxurrada de acusações de abuso sexual contra Russell Brand é que tenha demorado tanto.
O humorista que gosta de se vestir de roqueiro e usa camisa aberta até o umbigo nunca escondeu o que chama de vício em sexo. Ao contrário, fez das atitudes abusadas a respeito um de seus instrumentos para uma fama que foi propelida pelas simpatias que conquistou entre a esquerda, com elogios a Fidel Castro e até coluna no Guardian.
A pandemia e talvez um desejo de manter a capacidade de chocar o levaram para o lado oposto: começou a divulgar todo tipo de teorias conspiratórias sobre as vacinas contra a covid e a guerra na Ucrânia. Ganhou um novo público e recuperou o fator choque do qual depende para viver, afetado depois de sua conversão à domesticidade e a um casamento aparentemente monogâmico, com duas filhinhas e mais um bebê a caminho.
Relações monogâmicas eram impensáveis ao longo da série de casos com mulheres famosas, aparentemente tão vulneráveis quanto as anônimas à masculinidade tóxica – e hipnotizante, dizem – de Brand. Mas ele tem cabelo seboso, usa maquiagem, fala com um sotaque afetado, diriam os céticos. E daí? Uma a uma, elas foram caindo: a modelo Kate Moss; Geri Halliwell, a ex-Spice Girl, e a herdeira esquerdista Jemima Goldsmith.
A mais famosa da lista é Katy Perry, com quem foi casado por catorze infelizes meses e à qual anunciou o divórcio por mensagem de texto enviada a 31 de dezembro de de 2011. A cena foi filmada num documentário sobre a cantora, que recebe o bilhete azul pouco antes de entrar no palco e fica com os olhos cheios de lágrimas.
Katy já insinuou que conhece segredos da pesada sobre o ex-marido que rompeu de maneira tão cruel. Ela achava que tinha sua parte na culpa pelo fim do casamento até descobrir “toda a verdade que não posso necessariamente revelar porque a mantenho guardada num cofre para um dia que precisar”.
É difícil imaginar algo mais escandaloso do que Russell Brand já fez e contou ele próprio: foi vestido de Bin Laden a um programa de televisão um dia depois dos atentados de 11 de setembro, teve sua iniciação sexual com uma prostituta filipina no mesmo quarto de hotel onde seu pai estava com outras duas mulheres, levou um sem teto para morar em seu apartamento e tomou banho com ele (o convidado caiu fora) e se ofereceu para masturbar um gay no banheiro de um pub para saber como era (não gostou e contratou duas strippers no caminho de volta, numa reafirmação de heterossexualidade).
O personagem abusado, que passa a mão em mulheres na frente das câmeras e procura causar escândalo o tempo todo rendeu a Brand programas de rádio e televisão, participação em reality shows, canal no YouTube e outros atributos do gênero. Tudo ruiu depois que os jornais Times e Sunday Times e o canal de televisão Channel 4 fizeram reportagens com quatro mulheres que o acusam de abuso sexual, estupro e manipulação emocional. Uma delas tinha dezesseis anos quando começou um caso nada aceitável com Brand, mesmo que já tivesse a idade legal para o consentimento. Descreve em detalhes uma cena atroz em que ele a obrigou a fazer sexo oral.
Russell Brand é hoje um sem emprego, sem agência, sem teatro e sem monetização. E sem os amigos de esquerda na classe artística que deixaram de adorar o personagem mesmo antes das acusações atuais. Logo depois da divulgação delas, atribuiu tudo a um “ataque coordenado” para calar sua voz, eliminar um competidor etc etc etc.
Todo mundo já sabe que reportagens da imprensa não substituem a justiça, mesmo quando criteriosas como a do Sunday Times, que levou um ano sendo apurada. O caso do ator Kevin Spacey, absolvido de múltiplas acusações de abuso feitas por jovens atores, é um exemplo que não deve ser esquecido.
Mas não deixa de ser uma ironia ver que, hoje, a cabeça de Russell Brand é pedida pelos que faziam de conta não ver que o personagem criado por ele só poderia dar no que estamos vendo agora.