Qual a idade certa para uma jovem se casar? Depende da cultura, claro
A Índia, onde o casamento de menores desafia a lei, sobe a idade mínima para 21 anos - mas pouco se iludem que isso vá ser respeitado

No filme Pretty Baby, de 1978, o diretor Louis Malle mostra Brooke Shields como a filha de 12 anos de uma prostituta por quem um fotógrafo de bordel se apaixona e com quem acaba se casando.
Este filme simplesmente seria impossível hoje: o mundo ocidental mudou e mostrar uma criança em cenas sexualizadas causa repugnância universal.
Em países africanos e asiáticos as mudanças são mais lentas e as resistências culturais maiores. Mesmo decisões de governos tropeçam no obstáculo da realidade: as meninas são desvalorizadas, mandá-las para a escola demanda recursos escassos, as famílias temem que engravidem ou fujam de casa com um namorado e outros fatores culturais pesam.
Em alguns países muçulmanos, alega-se até o precedente do profeta Maomé que se casou com Aisha, sua última esposa, quando ela tinha seis anos – e continuou na casa dos pais até os nove ou dez. Isso há quase um milênio e meio atrás.
Na Índia, o governo vai implantar uma lei que aumenta de 18 para 21 anos a idade mínima para o casamento de mulheres. A diferença entre o que diz a lei e o que acontece na realidade é patente. Nada menos que 47% dos casamentos são de jovens com menos de 18 anos, o que aumenta o ciclo de complicações na gravidez, mortalidade neonatal e desnutrição de mães filhos, entre outros problemas básicos.
A ideia de aumentar a idade mínima é “garantir que nossas filhas não sofram mais de desnutrição e se casem na idade certa”, diz o governo indiano.
Os avanços conseguidos lentamente retrocederam com a pandemia, que aumentou a pobreza e as carências familiares. Em Bangladesh, os casamentos precoces subiram 13%. No total, os casamentos de jovens com menos de 18 anos são na faixa dos 60% no país.
O campeões mundiais dessa indesejada categoria são países africanos como o Niger (78%), República Centro-Africana (68%) e Chade (67%).
“À medida em que a Índia progride, abrem-se oportunidades para as mulheres buscarem educação superior e carreiras”, disse a ministra das Finanças, Nirmala Sitharaman. “É imperativo diminuir os índices de mortalidade materna e melhorar os níveis nutricionais. Toda a questão da idade em que uma menina entra na maternidade tem que ser vista sob esta luz”.
O primeiro-ministro Narendra Modi tem projetos ambiciosos para a Índia, o segundo país mais populoso do mundo, ainda com extremos de pobreza, mas índices de crescimento que gostaríamos de ver no Brasil. Alguns de seus projetos têm números indianos: ele comandou a construção de mais de 400 milhões de banheiros para combater a defecação a céu aberto, culturalmente aceita na Índia, e também aumentar a segurança de meninas e mulheres, mais expostas a ataques nesses momentos.
A valorização da mulher, e o consequente aumento da idade do casamento, é um processo obviamente complexo que depende do desenvolvimento econômico e do aumento da escolaridade, motores de mudanças culturais. Parece inacreditável , mas até poucas décadas atrás ainda subsistia na Índia a prática da imolação das viúvas na pira funerária dos maridos, para honrar as famílias e redimir os pecados do falecido – uma das concepções mais imbecis de todos os tempos.
Já os casamentos arranjados subsistem a todas as transformações econômicas, inclusive nas camadas de alto nível educacional, firmemente ancorados na ideia de que as famílias sabem encontrar e negociar o melhor arranjo matrimonial possível para os filhos.
Mas as maravilhosas roupas, joias, pinturas com hena, flores e outros adereços de um casamento indiano não deveriam ocultar um universo de meninas lançadas precocemente no casamento e na maternidade.
Brooke Shields, hoje com 56 anos, defende o filme Pretty Baby, embora se considere uma vítima da sexualização precoce. Acha uma pena que um filme assim hoje seria impossível. Na vida real, as “meninas bonitas” produzidas para um casamento à moda indiana deveriam ter a chance de esperar mais.