Putin arma cerimônia grandiosa para receber beija-mão internacional
Em plena guerra de agressão contra a Ucrânia, terá até uma réplica do Reichstag, para reproduzir o alçamento da bandeira soviética

Os russos têm toda razão em se orgulhar de ter vencido a Alemanha na Grande Guerra Patriótica. Também têm o direito de comemorar os oitenta anos da rendição segundo suas próprias tradições – e calendário. E Vladimir Putin age de acordo com seus interesses ao reunir uma grande quantidade de convidados estrangeiros, com uma réplica do Reichstag, o bombardeado Parlamento alemão, para aumentar o efeito cenográfico.
Errados estão esses convidados. Do ponto de vista ético, moral, político e até geopolítico. Todo mundo sabe por que eles afluirão para Moscou, em plena guerra de agressão contra a Ucrânia: para fazer uma exibição de afronta aos Estados Unidos, uma reafirmação do novo polo que está sendo armado, com a China de Xi Jinping no comando.
Visitar Moscou é um prêmio para Putin, o mais interessado em mostrar que não está isolado, embora o mundo ocidental – que inclui aliados orientais, como o Japão – o castigue.
Isso reforça seu intento de, em última instância, subjugar a Ucrânia inteira. Falando na linguagem dos chefões mafiosos que mandam uma cabeça de cavalo para um desafeto, como aviso que coisa pior pode acontecer, ele disse que “espera” não precisar usar armas nucleares. A “esperança” não exclui a possibilidade de que isso venha a acontecer.
Faz parte da tática de intimidação da opinião pública, principalmente europeia, mas também a direita trumpista que deu de repetir argumentos de Moscou.
Mas o simples fato de que ele tenha dito isso deveria ser recebido com repúdio total, não com os salamaleques que acontecerão durante as comemorações.
VERGONHA ETERNA
A réplica do Reichstag, visto como símbolo da Alemanha nazista – na verdade, o Parlamento ficou fechado durante os doze anos do tétrico período hitlerista -, mostra o pendor russo para encenações. Originalmente, a bandeira com a foice e o martelo tinha sido colocada numa posição muito baixa. A foto triunfal, que se tornou uma das imagens mais conhecidas da II Guerra, foi tirada em 2 de maio de 1945. O fotógrafo Ievgueni Khaldei tinha levado a bandeira de grandes dimensões. Pediu a soldados que estavam passando que a alçassem.
De volta a Moscou com o filme, viu, na foto revelada, que o sargento Abdulhakim Ismailov, mostrado sustentado o companheiro Aleksei Kovalov, estava usando dois relógios – uma indicação de que tinha feito um saque. Khaldei usou uma agulha para eliminar o objeto suspeito – era assim que funcionavam as coisas na era distante das fotos tiradas com filmes por máquinas fotográficas. Também mexeu no fundo e adicionou um céu mais dramático.
Os sacrifícios feitos pela Rússia e pelos países que então formavam a União Soviética foram imensos, com um número de vítimas, militares e civis, calculado em até 24 milhões de pessoas. Nada diminui isso. Mas não custa lembrar que Hitler e Stálin fizeram um pacto no começo da guerra e dividiram a Polônia entre si. E, no final, os países da Europa Oriental foram anexados pelo império soviético.
Mas é triste ver como Putin manipula dos sentimentos nacionalistas que a guerra inspira até hoje. Já os líderes estrangeiros que estarão em Moscou participam gozosamente de um ato dirigido por um líder que considera uma justiça histórica invadir um país vizinho e tentar dobrá-lo a seus intentos. Vergonha eterna para eles.