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Por que os judeus não podem orar no lugar dos dois templos bíblicos?

No coração de Jerusalém fica há séculos complexo religioso muçulmano e não interessa a Israel provocar mais reações do mundo islâmico

Por Vilma Gryzinski 15 ago 2024, 08h06

Quando o jovem paraquedista Yitzhak Yifat viu com seus colegas que as forças israelenses haviam tomado o Monte do Templo, o lugar onde historicamente se ergueram o Templo de Salomão e o Segundo Templo, ambos destruídos, seus olhos ficaram cheios de lágrimas. Os companheiros mais religiosos começaram a enrolar nos braços os filactérios, tiras de couro com trechos bíblicos, e rezaram.

Era 1967 e o mais impossível dos milagres havia acontecido: numa reação fulminante, as forças israelenses haviam conseguido não apenas vencer os exércitos de seis países árabes que pretendiam extinguir o lar nacional dos judeus, mas recuperar o Muro das Lamentações e o Monte do Templo, o local mais venerado pela religião judaica, com um lugar mítico na narrativa que remonta a milhares de anos mesmo para os que não são religiosos.

A imagem de Yifat e seus colegas com os olhos marejados ficou conhecida como “a foto dos paraquedistas chorando”.

Quase que imediatamente, o legendário general Moshe Dayan mandou tirar a bandeira de Israel hasteada no Domo da Rocha, a maravilhosa construção datada do século VII, com a cúpula dourada que representa Jerusalém em todas as fotos icônicas (o batido adjetivo pode, excepcionalmente, ser usado nesse caso). O Domo divide com a mesquita Al-Aksa o topo cortado do morro chamado de Esplanada das Mesquitas pelos muçulmanos.

PRECE PELO CELULAR

O general Dayan mandou tirar a bandeira de Israel porque não queria que muçulmanos de todo o mundo lançassem uma guerra santa pela recuperação mesquitas ocupadas. Já havia sido mais do que suficiente ganhar a Guerra dos Seis Dias. A administração do local das mesquitas acabou devolvida à autoridade religiosa da Jordânia.

Desde então, desenvolveu-se uma espécie de divisão de orações. Os judeus ficaram com a base do Muro das Lamentações, onde até então militares jordanianos amarravam seus cavalos antes de circular na cidade murada e estes faziam ali os que os equinos fazem. A Esplanada das Mesquitas continuou reservada aos muçulmanos, com estrita proibição aos judeus de fazerem qualquer ato religioso para evitar provocações.

Por motivos estritamente religiosos, como as exigências sobre purificação corporal para entrar em terreno que possa ter sido dos templos, incluindo o banho na banheira de pedra, as principais autoridades rabínicas também são contra essas orações. Durante anos, muitos ultranacionalistas fingiam falar ao celular quando circulavam pelo espaço aberto, disfarçando as preces.

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Forças policiais israelenses vigiam o local para impedir o “contrabando” de preces judias, mas agora um dos maiores defensores da prática proibida, Itamar Ben-Gvir, integra como ministro ca coalizão de governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

Num momento de altíssima tensão nacional, com o país sob bombardeio do Hezbollah, em guerra em Gaza e com a perspectiva de um iminente ataque iraniano, o ministro da Segurança Nacional foi ao Monte do Templo cercado de centenas seguidores, que se prostraram em orações no chão, em cenas sem precedentes. Até o próprio Netanyahu criticou. Foi, obviamente, uma provocação deliberada.

EMBRIÃO DE ESTADO

O primeiro-ministro depende dos dois ultranacionalistas que integram sua coalizão, Ben-Gvir e Bezalel Smotrich. Ambos sabem muito bem disso e fazem o possível para sabotar a possibilidade de qualquer acordo de cessar-fogo em troca da libertação dos sequestrados em Gaza. Eles são favoráveis a uma campanha que culmine na total desarticulação do Hamas e já falaram até em recolonizar Gaza – em 2005, Israel desmanchou um pequeno número de localidades judias que haviam se estabelecido no território e o devolveu inteiramente aos palestinos.

Gaza se transformou num foco de terror e ataques com mísseis, o que culminou no horror de 7 de outubro, confirmando para muitos israelenses, e não só os ultranacionalistas, que este é o destino de qualquer território devolvido.

É uma questão formidavelmente complicada, que só poderia ter algum tipo de solução se envolvesse um grande acordo com outros países árabes para bancar as garantias de segurança e normalização que Israel precisa para, em alguma data remota, aceitar um embrião de estado palestino realmente independente. Atualmente, nem israelenses nem palestinos, majoritariamente, querem isso.

É um acordo que os Estados Unidos estão tentando costurar atualmente, explorando o medo de múltiplos países sunitas em relação ao Irã – e, ainda por cima, um Irã nuclearizado. Há especialistas que falam que o conflito atual só tem duas saídas: a saudita, que basicamente se refere ao descrito acima, ou a iraniana, com a aceleração dos confrontos promovidos pelo regime teocrático via Hamas e Hezbollah.

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“MITO” COMPROVADO

As perspectivas não são muito animadoras. O nível de ódio é tamanho que há “especialistas” muçulmanos que simplesmente negam a existência dos dois templos, uma forma de deslegitimizar também os judeus a sua conexão histórica com um território onde têm uma existência contínua, apesar da diáspora, de mais de quatro mil anos – muito anterior, portanto, à expansão islâmica, datada do século VII da era cristã.

O imã da mesquita de Al-Aqsa já chamou de “mito” a existência dos dois templos, o original, de Salomão, destruído pelos neobabilônicos em 587 Antes de Cristo, e o reconstituído, o Segundo Templo, arrasado pelos romanos no ano 70 da era cristã. A maior prova histórica desse templo está plantada o centro de Roma: a Coluna de Tito tem uma cena legendária de soldados romanos desfilando os objetos saqueados no Segundo Templo, inclusive o grande castiçal de ouro do Santo dos Santos, o recinto mais sagrado do templo.

O palácio espanhol de El Escorial, múltiplas igrejas e sinagogas, templos de religiões como a dos mórmons e da Igreja Universal do Reino de Deus, em São Paulo, e sede maçônicas reproduzem o modelo imemorial do Templo de Salomão, extensamente descrito no bíblico Livro dos Reis, inclusive as medidas de todos os recintos e o interior todo coberto de entalhes de cedro de forma a que “nenhuma pedra fosse vista”.

Yitzhak Yifat, o jovem paraquedista fotografado com lágrimas de emoção nos olhos em frente ao Muro das Lamentações, morreu no mês passado, aos 81 anos. Ele era professor de escola primária, mas depois da guerra estudou medicina e se tornou obstetra e ginecologista.

Achava que os territórios conquistados tão espantosamente em 1967 tinham que ser devolvidos em troca da aceitação do Estado de Israel. Como seria bom se estivesse certo.

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