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Política de portas abertas da Alemanha criou brecha para extrema direita

Figuras como Björn Höcke, em primeiro lugar nas pesquisas em eleição regional, são produto do caldo histórico e das opções arriscadas

Por Vilma Gryzinski 29 ago 2024, 06h33

Os dois tremas no nome de Björn Höcke parecem ser algemas que o prendem na extrema direita, sem chances de evoluir para posições bem menos radicais como Marine Le Pen e Giorgia Meloni.

Höcke, do partido Alternativa Para a Alemanha (AfD), ainda não é conhecido como a líder política francesa ou a primeira-ministra italiana, ambas originárias do campo da extrema direita que fizeram um percurso em direção da relativa moderação, condição básica para se tornarem figuras de projeção nacional, com posições conservadoras em relação ao maior tema da Europa – a imigração em massa -, mas atitudes e linguagem que hoje seriam de centro-direita.

A partir de domingo, ele ganhará mais visibilidade: segundo as pesquisas, seu partido terá nada menos que 30% na eleição no estado da Turíngia, um dos dezesseis que compõem a república federativa alemã. As pesquisas também mostram um avanço da AfD dos estados de Brandenburgo e da Saxônia.

E mostram também o estado lastimável da atual coalizão de governo, um abantesma que mistura centro-esquerda, centro-direita e ecologistas. O primeiro-ministro resultante dessa combinação, Olaf Scholz, tem meros 28% de aprovação; 67% acham que ele vai mal. A perspectiva de sobrevivência desse governo não é muito brilhante.

“FUTURO DE MIL ANOS”

Quanto pior vão os partidos tradicionais, melhor vão os que estão mais fora do espectro. Até muito recentemente, seria impensável ver a AfD numa posição tão destacada. No país que mais atrocidades cometeu no mundo por causa do nacionalismo malignamente deturpado, manter o espírito da desnazificação e do combate à ultradireita fazem parte da própria definição da Alemanha do pós-guerra.

Ou faziam. O discurso que era impensável se tornou quase normalizado. Höcke é de uma facção interna mais extremista e um dos maiores cultivadores da linguagem que remete ao passado terrível, o que não é o caso, por exemplo, da integrante da dupla de líderes da AfD, Alice Wedel.

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Já falou que a Alemanha é um país que tem “não só um passado de mil anos”, mas também um “futuro de mil anos” – expressão que evidentemente evoca da promessa do Reich nazista que teria essa duração. É contra o euro, a política de asilo e o “comportamento reprodutivo” dos imigrantes.

Também já disse que o Memorial do Holocausto, em Berlim, torna a Alemanha o único país do mundo a ter um monumento à vergonha em sua própria capital. E ressuscitou a expressão “Tudo pela Alemanha” – Alles für Deutchsland -, estreitamente associada ao nazismo. Uma multa de 17 mil euros pelo uso de expressões proibidas não o afetou em nada.

PATOLOGIAS POLÍTICAS

O caldo histórico, apesar de oitenta anos de reeducação, tem evidentemente um peso, mas outros dois fatores contam mais. Um, é a sensação de muitos habitantes da antiga Alemanha Oriental, em 1989, depois da derrocada miraculosamente incruenta do comunismo, de que são cidadãos de segunda categoria. A parte ocidental fez prodígios para integrar o outro lado, mas o ressentimento permanece.

O outro fator, de peso muito maior, é a política de portas abertas que Angela Merkel decretou em 2014 e que trouxe à Alemanha mais de dois milhões de pessoas, na maioria de países do norte da África, do Oriente Médio ou da Ásia.

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Por motivos sociais e culturais, a Alemanha já tinha relações complexas com a população de procedência turca, originalmente atraída para trabalhar na poderosa indústria que liderou a transformação do país numa potência de primeira linha, nos anos sessenta.

Mas imigrantes sírios ou afegãos trouxeram consigo patologias políticas e religiosas desconhecidas até então, incluindo o fundamentalismo islâmico, que revoltam muitos cidadãos comuns. Sem contar o custo aos recursos públicos e a sobrecarga sobre um sistema educacional e social que parecia tão bem resolvido.

FACADAS NO PESCOÇO

O caso mais recente, entre tantos outros similares, aconteceu na sexta-feira passada na cidade de Solingen quando um imigrante sírio de 26 anos, depois proclamado como um seguidor do Estado Islâmico, saiu esfaqueando pessoas que participavam de um evento ironicamente chamado Festival da Diversidade. Matou três e feriu oito, mirando as facadas no pescoço das vítimas.

É claro que Höcke aproveitou o estado de comoção nacional: “Essa é a ‘diversidade’ deles? Quando pessoas são cortadas em pedaços a facões e horrivelmente abatidas como animais?”.

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“O experimento multicultural em nosso país levará ao colapso da lei e da ordem, à rapinagem de nosso sistema de bem-estar social e à perda de nossa identidade”.

Olaf Scholz tentou mostrar energia e propôs aumentar a deportação de estrangeiros rejeitados, como o próprio esfaqueador de Sollingen.

Também prometeu reforçar o controle sobre a venda de facas, o que parece ridiculamente inútil e até patético. O problema, evidentemente, é muito maior do que o acesso a armas brancas.

Os alemães veem isso muito bem. E uma parte crescente deles acha, lamentavelmente, que só políticos como Björn Höcke vão resolver o problema que foi criado de forma artificial em seu país.

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