O presidente ‘psicopata’ dá rasteira em Obama e reaviva um velho conflito
Rodrigo Duterte, o brucutu das Filipinas, usa a história e a mão pesada da China para romper com Estados Unidos

A lista de maldades de Rodrigo Duterte vai bem além dos cerca de 2 500 executados sumariamente, numa guerra às drogas que a população apóia majoritariamente. O presidente linha-duríssima deu uma reviravolta tão grande no tradicional alinhamento com os Estados Unidos que continua a provocar perplexidade e títulos inevitáveis: Barack Obama perdeu as Filipinas.
Chamado de psicopata por adversários políticos cada vez mais anônimos e preocupados com as próprias cabeças, Duterte disse que estava na hora de “dizer adeus” aos americanos. E imediatamente caiu nos braços da China. Saiu de uma visita ao país com um pacote de 13 bilhões de dólares de investimentos e uma conclusão espantosa: “Só a China pode nos ajudar”.
O detalhe fundamental é que as Filipinas têm um contencioso territorial com a China e uma única garantia de não serem atropeladas pelo vizinho superpoderoso, a presença militar americana. A briga é por causa de um atol, belo e precioso para a indústria da pesca.
O atol fica a 900 quilômetros da China continental, o que não impede o pais de usar seu mandamento número um em relação a disputas territoriais: o que é meu, é meu; o que é seu, é meu também.
Duterte parece maluco, mas não rasga dinheiro. Nem que for dinheiro chinês, para obras de infraestrutura que ajudem no crescimento econômico e na sua popularidade, para além das execuções de drogados e traficantes.
Até as pedras das ilhas filipinas já tinham percebido o cheiro de reviravolta quando Duterte começou a insultar o presidente Obama com palavras de baixo calão e alto teor provocativo, por causa das críticas à violência sancionada oficialmente.
Pouco antes da viagem de Duterte à China, houve manifestações de protesto perto da embaixada americana em Manilha – um recado pouco sutil. Ao seu estilo brucutu, Duterte cutuca feridas antigas.
As Filipinas foram o único país ocupado colonialmente pelos Estados Unidos, sob protestos da Liga Americana Antiimperialista , que via nisso, com razão, uma traição a todos os ideais dos fundadores da nação nascida de uma rebelião anticolonial.
A história é cheia de ironias. Os Estados Unidos “herdaram” as Filipinas da Espanha, depois da guerra de 1898, iniciada em Cuba, em que os dois países de se enfrentaram em batalhas navais. A Espanha perdeu. Uma das cláusulas do acordo de paz foi a saída das Filipinas, encerrando um domínio de três séculos durante o qual seguiu o manual clássico, incluindo a implantação do catolicismo.
As vantagens estratégicas e comerciais de ter um território na Ásia eram evidentes, mas vinham com uma encrenca.Os filipinos já tinham seu movimento pela independência, inclusive com a declaração de uma república emancipada, e o conflito com a Espanha foi transposto para os Estados Unidos.
Filipinos e americanos travaram uma guerra do fim do mundo, hoje quase esquecida, exceto pelos primeiros, claro. Em represália pela morte bárbara de soldados americanos, houve casos de aldeias inteiras dizimadas, como numa espécie de prévia da Guerra do Vietnã. As atrocidades praticadas por filipinos incluíram casos de soldados enterrados vivos, destripados e crucificados de cabeça para baixo ou sufocados com os próprios genitais.
A expressão “morrer com a boca cheia de formiga” ganhou um significado novo para os americanos quando foi encontrado o corpo de um soldado capturado. Enterrado até o pescoço, ele tinha um pedaço de pau para ficar com a boca aberta e uma trilha de açúcar saindo dela até um formigueiro.
Depois do período de horror, a ocupação americana foi comparativamente benigna, incluindo a propagação do ensino do inglês e a reforma da burocracia colonial. Durante a II Guerra, os americanos passaram pela humilhação de ter que fugir do arquipélago diante da invasão japonesa. Fiipinos e americanos lutaram e morreram do mesmo lado.
O mítico general Douglas MacArthur retornou ao pais, como havia prometido, em 1944 – a foto dele, com água pelo joelho, é uma das imagens mais cultuadas. Com o fim da guerra, as Filipinas ganharam a independência e os Estados Unidos se tornaram a superpotência do Pacífico.
É esta a posição hoje disputada pela China, num confronto no qual Rodrigo Duterte é uma peça pequena, mas importante. É difícil encontrar algum especialista em política internacional que não tenha visto a ironia da reviravolta. O presidente Obama conduziu sua política externa sob o lema da “guinada para a Ásia”, um realinhamento de interesses que deixou um vazio em regiões como o Oriente Médio. Enquanto isso, a China mexia seus pauzinhos.
“Anuncio minha separação dos Estados Unidos tanto em termos militares quanto econômicos, mas não sociais”, disse Duterte na sua visita à China. “Como eu me separei deles, vou depender de vocês por muito tempo.” Vai mesmo. Boa sorte aos filipinos e que o poder chinês lhes seja leve.