O mais improvável pacificador do mundo: Trump força o jogo com Israel
De sua maneira atabalhoada, e até com palavrão no meio, presidente consegue abrir caminho a um cessar-fogo que acalma o mundo

Israel já teve um salvador improvável: Richard Nixon, que decidiu em 1973 mandar 22 mil toneladas de equipamentos bélicos para o país poder resistir ao ataque conjunto do Egito e da Síria, na guerra do Yom Kippur. A situação era tão dramática que a primeira-ministra Golda Meir autorizou a instalação de artefatos nucleares em mísseis e aviões. Não foram usados e Israel venceu com meios convencionais, ajudado pela decisão de Nixon. O poder dos Estados Unidos está sendo usado agora por Donald Trump a forçar Israel a cumprir o cessar-fogo com o Irã.
Trump fez várias declarações ao seu estilo, usando até uma das palavras que não pode ser dita por um presidente, e repetiu que “Israel tem que se acalmar”. Se falou isso em público, imaginem o que foi o telefonema “excepcionalmente firme” com Benjamin Netanyahu. No fim, o primeiro-ministro israelense negociando uma operação bem limitada de retaliação por um ataque iraniano no pós-cessar-fogo.
Antes do conflito com o Irã, Trump já havia dado vários indícios de que não segue um alinhamento automático com Israel. Entre eles, a negociação à parte para a libertação do refém americano Edan Alexander. O presidente também autorizou um acordo separado com os hutis do Iêmen. Na conflagração com o Irã, o maior patrono dos rebeldes que hoje dominam quase todo o país, os hutis foram notáveis pelo silêncio.
Manda quem pode
Atritos com Israel fazem parte do relacionamento nem sempre tranquilo com os Estados Unidos. O mais notável deles aconteceu quando Israel, Reino Unido e França fizeram uma operação conjunta para retomar o Canal de Suez nacionalizado por Gamal Nasser em 1956. O presidente Dwight Eisenhower mandou uma carta famosa ao primeiro-ministro David Ben-Gurion.
“É nossa opinião, como uma questão da mais alta prioridade, que a paz deveria ser restaurada e tropas estrangeiras, exceto pela força das Nações Unidas, retiradas”.
“Não preciso assegurá-lo do profundo interesse que os Estados Unidos têm em seu país, nem lembrar os vários elementos de nossa política de apoio a Israel em tantas maneiras”.
Realmente, não precisava. E realmente ficou comprovado que manda quem pode e obedece quem tem juízo. No caso de Eisenhower, uma realidade acentuada pelas cinco estrelas que tinha como ex-comandante supremo das Forças Aliadas durante a II Guerra Mundial.
Relações espinhosas
Antes de que o conflito com o Irã ocupasse todas as atenções, ferviam as especulações de que Trump tem um plano de pacificação para o Oriente Médio, com um papel importante para a Arábia Saudita e outras monarquias do Golfo. A operação envolvendo os bombardeiros B-2 para detonar as instalações mais escondidas do programa nuclear bélico iraniano também foi um sinal para elas: quem tem os Estados Unidos como aliado está garantido. Também sinalizou para o Hamas, outro aliado iraniano em silêncio profundo, que os tempos mudaram.
Um Irã mais fraco, com estoque de mísseis reduzido e programa nuclear bombardeado, enfraquece o Hamas, embora a possibilidade de um grande acordo de pacificação do Oriente Médio continue a ser infernalmente complicada.
Mas o importante é que Trump quer aparecer como o grande pacificador, nem que tenha que se estranhar com Bibi. Os dois têm um histórico de relações espinhosas e Trump demorou para absorver o fato de que Netanyahu foi o primeiro líder estrangeiro a parabenizar Joe Biden pela vitória em 2020.
Agora, de certa forma, Trump está dizendo a Netanyahu que se dê por satisfeito com a operação contra o Irã.
Espaço volátil
Em 1973, quando o secretário de Estado Henry Kissinger buscava uma solução que não jogasse definitivamente o Egito no colo da União Soviética, ele disse à primeira-ministra Golda Meir: “Você precisa se lembrar que, em primeiro lugar, sou americano; em segundo, secretário de Estado e, em terceiro, judeu”.
Ela, famosamente, respondeu que em hebraico a escrita é da direita para a esquerda, o que inverteria a ordem mencionada por Kissinger. A primeira-ministra acabou, de certa forma, ganhando quando Nixon, com seu histórico de declarações antissemitas, ajudou Israel de forma decisiva.
Não existe nenhum Kissinger hoje em ação no mundo, mas analistas estão evocando uma verdade eterna: a guerra termina quando um dos lados é derrotado categoricamente ou quando ambos os envolvidos conservam o poder de cobrar um preço muito alto pela retaliação, optando pela suspensão das hostilidades. É nesse espaço altamente volátil que o pacificador Trump tem que operar.
“Abençoados são os povos cujos líderes encaram o destino sem vacilar, mas também sem tentar ser Deus”, disse Kissinger numa de suas famosas tiradas. Foi ele quem conseguiu, pelo caminho da diplomacia, um cessar-fogo entre Israel e Egito, abrindo caminho para o histórico acordo de paz entre os dois países, em 1979.
Sem um Kissinger por perto, vai ter que ser mesmo com Trump.