O incendiário: Steve Bannon é um fator desestabilizador no mundo Trump
Como uma espécie de guardião da ideologia nacionalista, o colaborador sem nenhum cargo comprou briga até com Elon Musk

“Nós não precisamos que brancos da África do Sul venham nos passar sermão sobre o que devemos fazer”. Isso dá uma ideia da crueza dos argumentos que abalaram as fileiras do mundo dos fiéis a Donald Trump – mas altamente infiéis entre si, como Steve Bannon, o ex-estrategista chefe, e o bilionário Elon Musk. Os dois se desentenderam violentamente sobre um assunto que parece obscuro, o fornecimento de vistos para estrangeiros de alta qualificação profissional, chamados de H-1B.
“Já comprei briga com gente muito maior”, desafiou Steve Bannon, sem nenhum cargo no segundo governo Trump, mas a convicção de que ele fala e os trumpistas escutam. Nesse caso, ele foi ouvido. Sites (e seus leitores) de direita ficaram maciçamente do lado dele e contra Musk na questão dos vistos.
Com seu estilo incendiário, Bannon disse que os detentores desses vistos de trabalho, geralmente usados para trazer programadores para a indústria high tech, deveriam ser imediatamente deportados e as companhias que os patrocinam – entre elas, a Tesla, de Musk – deveriam pagar indenizações por alijar americanos da gema desse mercado de trabalho.
São posições extremas, manifestadas no mesmo tom sem limites usado por Elon Musk, que havia prometido guerra total aos opositores do H-1B.
“O motivo pelo qual estou na América juntamente com tantas pessoas essenciais que construíram a SpaceX, a Tesla e centenas de empresas que tornaram a América forte é por causa do H-1B”, defendeu Musk.
TALENTOS ESTRANGEIROS
Bannon, ao contrário, disse que o visto é usado para pagar salários mais baixos a programadores estrangeiros, na vasta maioria indianos, em comparação com a remuneração a americanos, e as empresas que fazem isso devem ser punidas.
É possível que os dois lados tenham razão. Uma das forças dos Estados Unidos é atrair talentos estrangeiros – basta ver a disparidade que existe entre as high techs americanas e o resto do mundo. Mas pode haver também o componente salarial: todas as empresas tendem, em geral, a buscar uma remuneração que pese menos em sua folha de pagamentos.
Note-se que estamos falando aqui de salários altos, na faixa de 170 a 200 mil dólares por ano, ou mais, e de várias dezenas de milhares de postos de trabalho – os programadores são a mão de obra especializada que move o mundo high tech. É também desse caldo de cultura que saem os criadores, os que se lançam em suas próprias start ups.
Parece absurdo querer perder esses talentos, mas existe, no meio, uma animosidade de trabalhadores americanos que se sentem tirados do jogo por estrangeiros que aceitam ganhar menos.
APOSTAS ALTÍSSIMAS
Nesse round, o ganhador foi Bannon. Basta ver a reação nas redes. Bannon tem a reconhecida capacidade de ativar essas reações. Foi assim quando comandou o site Breitbart e depois a campanha digital de Trump em 2016. Foi nomeado estrategista-chefe, cargo no qual durou pouco. Comprou briga justamente com a filha de Trump, Ivanka, e seu marido, Jared Kushner.
Mesmo fora do governo, manteve um canal com Trump. E procurou armar o que chama de Movimento, com maiúscula, uma união da direita populista na Europa e até na periferia, como os bolsonaristas no Brasil. Talvez se sinta vingado com resultados eleitorais, principalmente para o Parlamento Europeu, mas quando aconteceram ele já estava de volta ao jogo americano.
E com apostas altíssimas: cumpriu este ano quatro meses de prisão por desacatar uma convocação da comissão do Congresso que investigava a invasão do Capitólio, em 6 de janeiro de 2021.
Comportou-se como se estivesse sendo condenado ao Gulag stalinista, declarando-se preso político.
HABILIDADE MEFISTOFÉLICA
Disputar as preferências do chefe é um fenômeno que acontece em todos os tipos de organizações, políticas ou não. Mas Bannon está fazendo mais do que isso: vem sinalizando que existe uma ala mais trumpista do que o próprio Trump – e que até mesmo o grande chefe não está imune a ser criticado por ela.
Por enquanto, Trump está escapando das críticas. Bannon não falou nada sobre as manifestações de Trump apoiando Elon Musk na questão dos vistos H-1B. Mas também não mudou o teor das suas críticas.
É claro que a oposição democrata vê com o maior entusiasmo a possibilidade de um racha no trumpismo. Com seu jeito “white trash” – usa sempre duas camisas sociais, com camiseta por baixo e jaqueta em estilo militar por cima -, Bannon é milionário por direito próprio, com fortuna feita na produção cinematográfica, e se considera um player acima de partidos – e até de uma personalidade como Elon Musk..
A habilidade mefistofélica no mundo das redes sociais confirma isso. Já foi banido e sobreviveu. Enfrentou uma prisão federal, o que não tem a aura de martírio que ele pretende, mas não é uma experiência fácil. Deu aulas aos colegas de cadeia, falando basicamente sobre Trump. Não é alguém que se queira ter como inimigo.