O enigma Milei: cresce imagem positiva, em meio a crise com Espanha
Presidente argentino teve o maior aumento de avaliações favoráveis, o que talvez ajude a explicar por que compra brigas desnecessárias
Pelo consenso entre vários setores políticos, principalmente, mas não só, de esquerda, Javier Milei deveria estar no fundo do poço – ou talvez até fora do governo, engolido por uma das fenomenais crise que periodicamente chacoalham a Argentina que tenta domar a golpes de escola austríaca.
Ao contrário, ele continua presidente, apesar de enfrentar enorme resistência a suas reformas libertárias, ainda encalhadas no Senado.
E ainda foi o presidente que mais subiu em avaliação positiva na América do Sul no mês de maio, segundo uma pesquisa da consultoria argentina CB.
Diz a pesquisa: Daniel Noboa, que pôs as Forças Armadas atrás dos bandidos no Equador, é o campeão de aprovação, com 58,1% de imagem positiva. Milei vem em segundo lugar, com 54,8%, um aumento de 2,2%, daí seu destaque.
Outros dos cinco mais bem avaliados são Luis Lacalle Pou, do Uruguai (54,7%), o paraguaio Santiago Peña e Luiz Inácio Lula da Silva (49,2%).
Os cinco piores: Luis Arce, da Bolívia (42,3%), o chileno Gabriel Boric (41,8%), supreendentemente, nas circunstâncias, apenas 39,5% para Nicolás Maduro; o desastroso colombiano Gustavo Pedro (38,6%), e a peruana Dina Boluarte, com 24,8%, depois do caso dos Rolex que aceitou “emprestados”, entre outros escorregões.
“MULHER CORRUPTA”
Por que Milei, com imagem em alta e algumas conquistas importantes do radical plano de ajuste, iria se envolver justo agora num desnecessário e improdutivo bate-boca com o primeiro-ministro espanhol, Pedro Sánchez?
É uma dúvida aparecia com a evocada por Jair Bolsonaro quando estragava o efeito de notícias positivas com declarações estapafúrdias.
Alimentar a guerra cultural faz parte do perfil de ambos, apesar de tantas diferenças em outras esferas.
Foi o que Milei fez, provocando uma desnecessária crise diplomática, ao sair do discurso escrito e mencionar quem tem “mulher corrupta e passa cinco dias pensando” – mesmo sem nomes, uma referência ineludível a Sánchez e sua esposa, Begoña Gómez.
Uma acusação de tráfico de influência já havia deixado o primeiro-ministro surtado. Opções razoáveis: negar tudo e exigir a punição dos culpados, caso se comprovasse calúnia, ou renunciar em protesto. Em vez disso, passou cinco dias “refletindo” como um menino emburrado e, para surpresa de ninguém, concluiu que deveria continuar no cargo.
INGESTÃO DE “SUBSTÂNCIAS”
Em protesto contra as palavras de Milei, retirou definitivamente a embaixadora espanhola definitivamente de Buenos Aires. Os efeitos positivos do encontro de Milei com grandes empresários se dissiparam – isso para o líder de um país que precisa desesperadamente de investimentos estrangeiros para alavancar seu projeto de motosserra nos gastos estatais.
Sánchez, reconheça-se, começou a briga, durante a campanha presidencial argentina, ao endossar o nome do governista Sergio Massa por “representar a aposta pela convivência democrática e oferecer um projeto de unidade de solidariedade, com oportunidade para todos e todas”. Isso que Massa era candidato e ministro da Economia ao mesmo tempo, comandando um desastre de inflação descontrolada e trágico aumento da pobreza.
Farpas políticas continuaram a ser trocadas – e constituem uma boa amostra da eterna confrontação entre intervencionismo e abstencionismo estatal que os dois representam. A coisa ficou feita mesmo quando o ministro dos Transportes, Óscar Puente, mais do que sugeriu que Milei havia ingerido “substâncias” num dos debates de que havia participado.
Demorou um pouco até que o episódio fosse dado por superado, mas Milei já estava com uma viagem marcada, a título pessoal, para apoiar Santiago Ascabal, do partido de direita dura Vox, num evento da campanha pelas eleições para o Parlamento Europeu. Milei considera Ascabal um amigo pessoal que lhe deu força quando estava no limbo.
“SOCIALISTA ARROGANTE”
É conveniente, ou desejável, que um líder estrangeiro vá a um país apoiar a campanha de um partido oposicionista?
Pelas regras do bom comportamento diplomático, não é. Milei, obviamente, virou o fenômeno que virou por não seguir nenhuma dessas regras, mesmo quando investido da autoridade – conferida pelo povo, lembremos – de chefe de Estado.
“Não vou pedir desculpas, sob nenhuma hipótese. Como vou pedir desculpas se fui eu o agredido?”, insistiu Milei, acusando o voluntarioso Sánchez de estar “coordenado com o kirchneerismo. Alberto Fernández é assessor de Pedro Sánchez”.
O ex-presidente, agora na confortável posição de jogar pedras na vidraça, disse que Milei precisa de “assistência psicológica” urgente. “Ele mostra uma invejável eficiência para fazer tudo errado”, espetou.
“BOM ADVOGADO”
Milei, que já chamou o colombiano Gustavo Petro, de “terrorista assassino” e o papa de “representante do maligno”, aumentou as apostas. A retirada da embaixadora espanhola “é um disparate próprio de um socialista arrogante”, disse ontem.
“Hoje, em todo mundo, se fala do caso de corrupção da mulher e que ele está envolvido nisso por tráfico de influência. Como se isso fosse pouco, pressionaram um juiz. Quem é o totalitário quando coloca um problema pessoal para dinamitar a relação entre dois países?”.
E mais: “O psicólogo que Alberto Fernández está recomendando que o recomende a Pedro Sánchez para que amadureça. E que recomende também um bom advogado para Begoña porque tem um monte de causas em que é suspeita de tráfico de influência”.
Pronto. Os nomes foram ditos. Quem vai ganhar essa briga?
Milei já disse que está no match point, o ponto final, contra “Pedrito”. E que vai voltar à Espanha dentro de um mês para receber uma premiação. Exceto se for declarado persona non grata, o que levaria a briga a um outro patamar.