O caos das guerras comerciais
Todos os países implantam tarifas, mas poucos terminam vitoriosos

Os Estados Unidos nasceram de uma tarifa, o gatilho da revolta dos colonos contra o imposto de importação sobre o chá que a metrópole colonial inglesa monopolizava por meio da Companhia das Índias Orientais. Os rebeldes, que usaram o subterfúgio de se vestir como índios moicanos para entrar nos três navios ingleses ancorados em Boston e jogar no mar as cargas de chá tarifado, são tratados como os patriotas originais, os deflagradores da independência. É um exemplo em grande escala de como a questão do protecionismo, das tarifas e do comércio influencia a política, a economia e a vida das pessoas. O conceito de livre-comércio foi desenvolvido na Inglaterra por David Ricardo por causa das Leis dos Cereais, as tarifas protecionistas que impediam a importação de produtos agrícolas para favorecer os latifundiários. O assunto provocou revoltas e reviravoltas na política britânica, além da teoria de Ricardo, um operador da bolsa que ficou rico e se aposentou aos 41 anos, sobre a vantagem comparativa dos países.
Quando não estavam forçando colonos ou sua própria população a pagar caro por produtos importados, os ingleses também eram bons em obrigar países fracos a comprar ópio. As duas guerras do ópio que vergaram a China, no século XIX, foram absurdas até para os padrões do imperialismo da época. A segunda terminou com a rendição total: abertura dos portos, entrega de Hong Kong e, claro, liberação de importação de ópio. Cerca de 10% dos chineses tornaram-se viciados na substância extraída da papoula e a rendição é tratada, do ponto de vista do nacionalismo chinês, como exemplo de impotência.
“Quem vai se sair bem ou menos mal? É a melhor série do momento e o planeta inteiro faz parte dela”
A China que Trump está tarifando pesadamente traz essa história em sua narrativa nacional, agora na posição de gigante produtivo e aspirante a tirar os EUA do posto de superpotência número 1. O dragão asiático tem um bocado de fogo para soltar pelas ventas, embora a complexidade e a interdependência das economias modernas exijam cuidados. Também é exigida uma resposta a uma dúvida: se as tarifas protecionistas deram tão certo na mão contrária ao ajudar na transformação econômica da China, por que são tão ruins quando os EUA apelam a elas?
Hoje, o ópio do povo é o fentanil, que mata 100 000 americanos por ano e Trump pretende combater a golpes de tarifaço, e também muito do discurso populista protecionista que acompanhou a desindustrialização causada pela globalização em países de alto ou médio desenvolvimento. “Os benefícios de uma tarifa são visíveis. Os trabalhadores sindicalizados sentem-se ‘protegidos’. O mal que uma tarifa faz é invisível. Há pessoas que não têm emprego por causa de tarifas, mas não sabem disso”, disse Milton Friedman, cuja mão invisível tem uma óbvia conexão com a vantagem comparativa ricardiana, fundamento da economia liberal. Com o nó mundial que causou, Trump conseguiu que políticos e economistas da ala progressista se transformassem em guerreiros do livre-comércio, um dos muitos espantos a que assistimos. Quem vai se sair bem ou menos mal dessa nova guerra comercial? É a melhor série do momento e o planeta inteiro faz parte dela.
Publicado em VEJA de 11 de abril de 2025, edição nº 2939