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O café mais caro do mundo: outro bilionário quer ser presidente

Dono da Starbucks, sonhando em ser candidato de centro-esquerda, leva pancadas de todo lado, sem perceber que aumentar impostos é novo mantra

Por Vilma Gryzinski 1 fev 2019, 15h48

Pobre Howard Schultz. Quer dizer, pobre no sentido figurado. Tão simpático a causas progressistas e com tantas ideias equilibradas, talvez o criador da rede Starbucks tenha achado que faria o maior sucesso ao anunciar que pensa em se candidatar a presidente como independente, decepcionado com a guinada à esquerda do Partido Democrata.

“Se me candidatasse como democrata, teria que dizer coisas nas quais, do fundo do coração, não acredito”, argumentou ele, com retidão de caráter amparada em 3,4 bilhões de dólares.

E uma certa falta de noção não estranha aos fabulosamente ricos, sempre cercados de gente que só concorda com eles.

Schultz não percebeu que, no momento, o mercado de ideias não está para gente equilibrada, que se preocupa racionalmente com o tamanho da dívida americana, com a qual o atual presidente, teoricamente um dragão conservador, não está nem aí.

Nem muito menos com quem acha que as propostas delirantes de aumento de impostos para os muito ricos não levam a lugar nenhum. Ou melhor, levam os muito ricos a buscar malabarismos fiscais para estacionar seu dinheiro em outras plagas ou deslocar seus empreendimentos.

Schultz cometeu o sacrilégio de dizer que “a maioria dos americanos” não gostaria de ver os rendimentos acima de 10 milhões de dólares por ano punitivamente colocados na alíquota fiscal de 70%.

A autora da proposta é a atual estrela de todos os progressistas, Alexandria Ocasio-Cortez.

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Diante do sucesso da jovem deputada, sua colega estreante, Ilhan Omar, uma jovem de origem somaliana que tem a vantagem de usar véu na cabeça por motivos religiosos (negra e muçulmana, nem Alexandria pode competir), disse que os “extremamente ricos” deveriam pagar “até 90%”.

TAXAÇÃO HARDCORE

Nem jovem nem estreante, a senadora Elizabeth Warren, que desistiu de se passar por índigena face à desmoralização que trouxe para si mesma e à sua pré-campanha presidencial, saiu atrás do prejuízo.

Propôs um imposto adicional de 2% aos domicílios com patrimônio acima de 50 milhões de dólares.

Schultz, que mandou abrir todas as cafeterias de sua rede a quem quisesse entrar, sem precisar consumir nem um copo de água, depois da prisão de dois cidadãos negros num entrevero com policiais chamados porque eles ocupavam uma mesa sem fazer qualquer pedido, levou um susto com a pancadaria que caiu sobre ele ao criticar as novas princesas da taxação hardcore.

A proposta da senadora Warren é “ridícula” e ela “sabe que nunca será aprovada”, disse, com a sinceridade que imaginava desejável para um candidato honesto.

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Ocasio-Cortez acertou em fazer a crítica da desigualdade de renda, mas o imposto de 70% mostra que está “um pouco desinformada”. E o assessor dela que considerou a própria existência dos bilionários um “fracasso político” defendeu uma ideia contrária aos princípios americanos.

Falar a verdade não fez muito bem à imagem do self made man nascido numa família de origem judaica no Brooklyn que morava em conjunto habitacional para pessoas de baixa renda.

Schultz se considera a realização do sonho americano, ao desenvolver a ideia das cafeterias com produtos caros e espaços baratos exatamente no momento em que multidões de jovens queriam sentar com seus computadores e passar horas trabalhando, ou fingindo trabalhar, com uma única xícara de café com nomes italianos complicados.

O problema é que está falando na hora errada, para o público errado. O pessoal que votou em Donald Trump, e talvez vote de novo, adorava a ideia de que ele era muito rico (embora não tanto quanto apregoe) e não dependia de ninguém.

O pessoal da outra banda, à qual Schultz pensa apelar, anda com pavor de bilionários. E nada menos que 70% dos americanos apoiariam um aumento de impostos para os muito ricos, embora sem especificar se chegaria aos níveis propostos por Alexandria Ocasio-Cortez ou Ilhan Omar.

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OBSESSÃO NACIONAL

A rapidez, a quantidade e o tamanho das fortunas feitas por desbravadores da era digital, gênios das finanças ou feras dos negócios globalizados talvez influenciem na opinião do povão.

Ver um homem como Jeff Bezos sair da garagem e bater nos 150 bilhões de dólares (embora se discuta ferozmente se é o mais rico da história moderna, considerando-se que a fortuna de John D. Rockefeller já foi atualizada para 400 bilhões) causa admiração e também revolta.

Mesmo bilionários bonzinhos, que se dedicam a curar a malária (Bill Gates) ou empregar veteranos de guerra e imigrantes (o próprio Schultz), têm problemas de imagem.

Isso para não falar de países como a França, onde reina uma verdadeira obsessão nacional em taxar os muito ricos, como demonstra o movimento dos coletes-amarelos.

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Com uma mistura de ideias de direita e de esquerda, eles são unificados por três projetos: pagar menos por gasolina e pedágio, receber mais benefícios do Estado provedor e restabelecer o imposto sobre fortunas, eliminado por Emmanuel Macron na vã esperança de entusiasmar os franceses pelos benefícios da livre iniciativa.

Se até nos Estados Unidos prospera o “socialismo democrático” e seu maior companheiro, o furor fiscal, imaginem na França, onde nem experiências desastrosas, como a fuga de capital na primeira fase da era Mitterrand, deixaram ensinamentos permanentes.

A maior crítica feita pelas diversas alas democratas a Howard Schultz é que uma candidatura independente poderia dividir o eleitorado e, horror dos horrores, favorecer a reeleição de Donald Trump.

Mesmo com o prestígio afetado até entre as camadas que não são sistemicamente antitrumpistas, o presidente conta com 51% de aprovação à sua política econômica. Favorecida, entre outros fatores, pela diminuição de impostos, especialmente para empresas.

A discussão sobre a melhor maneira de bombar a economia – favorecendo os empreendedores para que criem mais empregos ou despejando benefícios entre os menos favorecidos – envolve fatores muito além da racionalidade.

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Howard Schultz está descobrindo isso. E levando um susto, coitadinho.

 

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