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O afrodisíaco do poder e outras tiradas famosas de Henry Kissinger

Um hiper-realista em matéria de política externa, o ex-secretário de Estado também ganhou fama por analisar o poder friamente, em frases imperdíveis

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 9 Maio 2024, 18h52 - Publicado em 1 dez 2023, 08h28

“Ela é uma grande garota, mesmo sendo mais alta do que Deus.” Essa foi uma das poucas frases sobre Henry Kissinger melhor do que as que ele mesmo dizia sobre tudo, principalmente o poder.

A brincadeira com a altura foi feita pelo jornalista Joseph Alsop sobre a loira, magra e alta Nancy Kissinger. Com 1,78 metro, ela sempre pairava acima do marido. Quando se casaram, em 1974, “Deus”, como o chamou Alsop, abandonou uma fase da vida em que circulava em jantares na Casa Branca com beldades do quilate de Elizabeth Taylor e Rachel Welch que, em condições para os mortais comuns, nunca desperdiçariam um olhar com aquele sujeito feio, rubicundo, com óculos de fundo de garrafa. Ele próprio analisava friamente a origem da sedução, daí sua frase mais famosa: “O poder é o maior afrodisíaco”.

Tendo vivido até os 100 anos, o imigrante judeu que escapou adolescente da Alemanha nazista e planejava fazer sucesso na vida americana sendo contador ganhou um espaço especial em que a idade avançada acentua as virtudes e ameniza os defeitos. Em ambos, Kissinger foi farto, tendo mergulhado com vigor em algumas das questões mais complicadas da vida de quem exerce o poder. Deve o pragmatismo preponderar sobre os princípios? Em que momentos um deve se sobrepor ao outro?

BESTA FERA

A linha realista, ou hiperrealista, de Kissinger sempre se contrapôs aos idealistas em matéria de política externa americana (a morte quase coincidente de Rosalynn Carter, aos 99 anos, com sua famosa visita ao Brasil em que ouviu um apelo contra a tortura e os desaparecimentos, lembrou como seu marido, Jimmy Carter, optou pela segunda corrente).

Numa brincadeira numa reunião muito séria com dirigentes da Turquia, em crise na época, ele resumiu: “Antes da lei de liberdade de informação, eu dizia em reuniões ‘O ilegal fazemos imediatamente; o inconstitucional demora um pouco mais’. Mas hoje tenho medo de dizer essas coisas”.

Muita gente ignora o contexto, além da ironia, e acha que ele estava se referindo à interferência americana para abreviar o governo de Salvador Allende no Chile ou aos bombardeios no Camboja, durante a Guerra do Vietnã, acontecimentos que transformaram Kissinger na besta fera da esquerda – não sem alguma dose de razão (muitos na direita americana também o abominavam por achar, equivocadamente, que a União Soviética havia saído ganhando com a détente e a limitação das armas do fim do mundo).

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Graças aos instrumentos democráticos como o sigilo com data de expiração marcada e, sim, a lei de acesso à informação governamental, sabemos que ele realmente disse o seguinte a Augusto Pinochet: “Estamos aqui para ajudar, não para sabotar. O senhor prestou um grande serviço ao Ocidente ao derrubar Allende”.

Ressalve-se que a CIA contribuiu para um processo desencadeado pelo próprio Allende, com seu governo caótico e, ao contrário do que havia prometido ao Congresso chileno, alinhado com a extrema-esquerda.

“No tempo de Eisenhower, seríamos heróis”, disse Kissinger a Richard Nixon quando a imprensa começou a cobrar a colaboração americana com um regime que sequestrava, torturava e fuzilava.

LUGAR NENHUM

“Se você não sabe para onde está indo, todos os caminhos levarão a lugar nenhum”, é outra de suas frases.

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Kissinger sabia o que queria: não deixar um modelo castrista, mas eleito pelo voto (mesmo que minoritário), triunfar no Chile. Via risco do efeito imitação, principalmente na Itália, que tinha um partido comunista forte.

Antecipando-se grandemente à era das “narrativas” nas redes sociais, ele burilou: “A questão não é que o que é a verdade que conta, mas o que é percebido como verdade”.

“A ausência de alternativas é uma maravilha para clarear a mente” talvez ilustre suas escolhas para tirar os Estados Unidos do Vietnã, uma missão sem nenhuma alternativa boa. Por causa dessa falta de opções, os americanos fizeram uma retirada fatalmente destinada a culminar com a derrubada do regime sul-vietnamita e o sucesso dos comunistas norte-vietnamitas. Quem lembra que o país asiático era dividido em duas partes talvez se recorde que Kissinger dividiu o Nobel da Paz com o interlocutor norte-vietnamita, Le Duc Tho.

“É uma pena que os dois lados não possam perder”, sibilou sobre outro evento quase esquecido, a altamente mortífera guerra entre Irã e Iraque, nos anos oitenta.

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AGENDA LOTADA

Sobre a China, através da qual deixou seu legado permanente (e uma confortável vida pós-política como consultor), escreveu algumas pérolas. Uma delas: “É uma das ironias da história que o comunismo, anunciado como uma sociedade sem classes, tendesse a criar uma classe privilegiada de proporções feudais”.

“Pobre e velha Alemanha. Grande demais para a Europa, pequena demais para o mundo”, definiu seu antigo país.

O gosto pelo poder o tentou – como poderia ser diferente? – e ele fez uma tirada: “Não pode ter uma crise na próxima semana. Minha agenda já está lotada”.

Mas não deixou que analisasse: “Em Washington, a aparência de poder é quase tão importante quanto a realidade dele. Na verdade, a aparência é frequentemente sua realidade essencial”.

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Vale para qualquer lugar do mundo.

O ápice do poder de Kissinger foi quando a foto em que beija no rosto Elizabeth Taylor, na época casada com um senador republicano (famosas que namorou foram Shirley MacLaine e Candice Bergen) , virou obra de Andy Warhol. Uma confluência categórica do poder e sua aparência. A encarnação viva da realpolitik tinha virado pop.

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