No espaço, no Atlântico e até em containers: dragão chinês abre asas
Conquistar a hegemonia espacial já parece uma realidade para uma China que constrói soberania na Terra e ao redor dela
Na época da Guerra Fria, a Guiné Equatorial, um pequeno país na parte da África mais próxima do Brasil, foi disputada por americanos e soviéticos. Quem desse mais, levava, embora as simpatias do ditador Sékou Touré se inclinassem mais para o comunismo, inclusive pela incomparável conveniência do regime de partido único.
A mesma disputa pela Guiné Equatorial está sendo encenada agora, com a China entrando no lugar da finada URSS. Numa notícia convenientemente vazada para o Wall Street Journal, a CIA avisou que a China está cultivando a ideia de ter uma base em Bata, porto de águas profundas que ampliou no país na década passada.
O interlocutor agora é Teodoro Obiang Nguema Mbasogo, no poder desde o distante ano de 1979, quando derrubou o próprio tio. Com tanto tempo no topo, aperfeiçoou métodos como o de depositar em contas em que era titular metade dos recursos do tesouro nacional para, segundo justificou, evitar a tentação da corrupção de funcionários públicos.
É claro que Obiang aprendeu perfeitamente a manipular os interesses estrangeiros – e, muito provavelmente, se deixar manipular por eles. Agora, segundo o Journal, são diplomatas americanos que estão correndo atrás do prejuízo.
Uma base naval chinesa no Atlântico muda profundamente o cenário geopolítico, embora os realistas admitam que, mais cedo ou mais tarde, os Estados Unidos terão que conviver com essa realidade (muda, também, muita coisa para o Brasil, embora estejamos vivendo uma daquelas fases em que olhar para além das próximas 24 horas já pareça exagero).
Mais do que no Atlântico – e mais cedo do que era antecipado -, o espaço ao redor da Terra está perto de ter a hegemonia chinesa.
“Se não nos adaptarmos, teremos motivo para nos preocupar no fim dessa década”, diz o general David Thompson, vice-comandante da Força Espacial, ramo das forças armadas criado por Donald Trump para corrigir o descompasso americano com a corrida pelo aparelhamento do espaço ao redor do planeta, tanto para uso comercial quanto bélico.
Alguns críticos mais pessimistas acham que a China já conquistou a superioridade tecnológica nessa esfera, o que aceleraria excepcionalmente os planos para que o país se torne a principal potência mundial antes de 2040.
Uma reportagem do New York Times do começo do ano apresentou assim os avanços chineses:
“A corrida de Beijing pelas armas anti-satélite começou quinze anos atrás. Hoje, ameaça as frotas orbitais que dão aos militares dos Estados Unidos a vantagem tecnológica. Armas avançadas em bases militares chinesas podem disparar ogivas que pulverizam satélites e lançar feixes de raio laser com o potencial de cegar grandes quantidades de sensores”.
“E os ciberataques da China podem, pelo menos teoricamente, cortar o contato do Pentágono com frotas de satélites que rastreiam os movimentos inimigos, transmitem informações entre tropas e fornecem informações para a trajetória precisa de armas inteligentes”.
Tão divididos em praticamente todos os outros temas, democratas e republicanos concordam que a ameaça chinesa, em especial no teatro de operações do espaço, é a maior enfrentada pelos Estados Unidos (não que outras mereçam ser menosprezadas, como a aposta russa para intimidar europeus e americanos até que desistam de deixar a Ucrânia entrar na OTAN).
Num detalhe talvez colorido demais, um analista do Centro de Avaliação e Estratégia, um think tank americano, especulou que a China estaria instalando mísseis de cruzeiro em containers transportados por navios mercantes comuns. Objetivo: desfechar ataques surpresa para bancar uma invasão anfíbia ou aérea.
Onde isso poderia acontecer? Todo mundo sabe: em Taiwan, a ilha que a China quer incorporar a seu território de qualquer jeito. Soam exagerados os prognósticos de uma invasão em tempo não tão distante assim, depois que a China tivesse montado todo o cenário para deixar claro que os Estados Unidos sairiam perdendo se reagissem militarmente?
O fato é que tudo o que parecia impossível, inclusive desafiar os setenta anos de hegemonia americana sobre os mares, tem ficado cada vez mais próximo. Isso quando não está acontecendo debaixo das barbas mesmo dos mais atentos. Respostas fracas como o boicote “diplomático” às Olimpíadas de Inverno em Pequim alimentam a sensação de que os Estados Unidos perderam o impulso.
Da última vez em que uma potência antagônica tentou se aninhar no Atlântico foi quando a União Soviética colocou subrepticiamente mísseis nucleares em Cuba. Deu na conhecida crise, o momento mais próximo de uma guerra nuclear, com a consequente hecatombe, que a humanidade já viveu.
Os chineses certamente estudam esse confronto da década de sessenta e entendem que precisam armar um gigantesco e categórico plano para desabilitar os Estados Unidos, com sua incomparável vantagem em matéria de arsenal nuclear. Vencer a batalha da tecnologia faz parte essencial desse plano.
Deglutir, diplomaticamente, países tão sujeitos a ser influenciados como a Guiné Equatorial também.