Não gostou do político eleito? Faça um recall, como vai ter na Califórnia
A trans Caitlyn Jenner, madrasta do clã Kardashian, acha que tem uma chance de derrotar o governador do maior estado americano
A praticidade dos americanos é sempre impressionante e o sistema de recall de políticos é mais uma prova disso.
Em 19 estados americanos, é possível convocar uma nova eleição para governador se um abaixo-assinado conseguir número suficiente de adesões. Ao todo, 39 estados permitem que prefeitos, vereadores ou integrantes do judiciário, exceto juízes, escolhidos pelo voto direto sejam submetidos a esse crivo pós-venda, por assim dizer.
O recall de todos os recalls é o impeachment, que tem mais características de julgamento político-criminal, mas o processo nos estados onde é praticado vai direto à fonte do poder: os eleitores. Se não estiverem satisfeitos com sua escolha, partem para outra.
O recall do momento é o do governador da Califórnia, Gavin Newsom. Por iniciativa de políticos republicanos, que são excepcionalmente minoritários no estado, foi alcançado o número de 1,6 milhão de assinaturas.
No ápice da pandemia, Newsom parecia ter perdido o controle da doença e também o juízo: foi fotografado, sem máscara, no jantar de aniversário em restaurante de luxo de um amigo lobista, se é que tais palavras podem andar juntas. Os californianos comuns só podiam frequentar ambientes abertos.
Pegou muito mal. Mas a onda passou, junto com o pior da epidemia. Sem contar a ajuda emergencial de 600 dólares para os mais carentes, que se soma ao checão do governo federal de 1.400 dólares.
Segundo pesquisas mais recentes, 40% dos californianos votariam contra Newsom, mas 52% preferem continuar com ele.
Além de envolver o governador do mais populoso estado americano, com um PIB de 3,2 trilhões de dólares e renda per capita de 80 mil dólares – se fosse um país, teria a sexta maior economia do mundo -, o recall californiano virou notícia porque Caitlyn Jenner está querendo disputar o governo.
Medalha olímpica de ouro no decatlo quando ainda se chamava Bruce, ela se tornou a madrasta das irmãs Kardashian e pai das caçulas Jenner, uma atividade na qual adquiriu pós-graduação em autopromoção.
Detalhe curioso: Caitlyn Jenner votou em Donald Trump em 2016 e cogita fazer carreira política pelo Partido Republicano. Já criou um time de assessores experientes justamente nas campanhas de Trump, incluindo Brad Parscale, o gênio das redes digitais que depois se envolveu em briga conjugal com interferência da polícia.
A Califórnia já tem o precedente da eleição de uma celebridade do show business, o fortão Arnold Schwarzenegger, eleito justamente por causa de um recall.
Em 2003, o governador Gray Davis enfrentou um alinhamento astral de problemas criados por ele mesmo e pela natureza, inclusive um dos maiores incêndios da história do estado, e acabou perdendo para o ator austríaco casado com uma jornalista do clã Kennedy. Foi apenas o segundo caso de governador a perder uma eleição suplementar.
Além de republicanos mais tradicionais, aspiram a candidatura figuras folclóricas como a atriz pornô Mary Carey – quase uma tradição; o notório Larry Flynt, da revista Hustler e do processo famoso na Suprema Corte, perdeu a eleição de 2003 ganha por Schwarzenegger.
Para ser candidato, é preciso apenas pagar uma taxa de 4.200 dólares, o que atrai um bocado de gente atrás de promoção na terra em que fama é tudo.
Concorrer com Caitlyn Jenner não é fácil nesse quesito. Ela se desprendeu do clã das filhas e fez seu próprio reality show, acompanhando a transição da mudança de gênero. Também, claro, escreveu um livro no qual conta que fez a “operação final”, tirando um pênis que “não servia para nada”, embora, como homem, tenha tido três casamentos e uma prole de dez, entre filhos e enteados.
Caitlyn Jenner já enfrenta um problema interessante: associações de trans a criticam por ter apoiado Trump na primeira campanha presidencial, considerando-a uma traidora da categoria.
Se fosse eleita, haveria um primeiro cavalheiro? De jeito nenhum, seria banal demais.
Caitlyn Jenner tem uma relação não completamente esclarecida com Sophia Hutchins, ex-Scott Hutchins. Ambas mantém um deliberado ar de mistério sobre a relação, que dizem ser platônica, mas consideram para a vida toda. Sophia também administra um ramo dos negócios da amiga/companheira.
Caitlyn tem 71 anos e Sophia, 25. Mesmo com mudança de gênero, certas coisas permanecem as mesmas.
Se for candidata, vai ser uma campanha daquelas que viram filme ou série. Aliás, como tantas outras coisas na Califórnia.