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Joe Biden cometeu um erro estrondoso no Afeganistão; estará perdido?

Adversários e aliados são unânimes em arrancar os cabelos diante do fiasco produzido pelo presidente - e a situação pode ficar pior ainda

Por Vilma Gryzinski 23 ago 2021, 08h44

Seria Joe Biden um idiota? Político com meio século de estrada, experiente no legislativo e no executivo, sobrevivente contumaz do tipo de impressionar certos colegas em Brasília, o presidente americano parece ter esquecido tudo o que sabia.

A regra número 1 das raposas felpudas – só fazer aquilo que rende dividendos políticos a si e aos seus – foi fragorosamente quebrada com a decisão de Biden, e só dele, mesmo que toda a cúpula tenha uma enorme parte da culpa, de ordenar a retirada extemporânea das tropas no Afeganistão.

A maneira como foi conduzida a operação é uma das mais desastrosas iniciativas de qualquer político americano em todos os tempos (Dumbkirk, resumiu, cruelmente, o New York Post, fazendo um trocadilho entre a retirada de Dunquerque, a derrota na II Guerra que Churchiill conseguiu transformar em vitória na base do discurso inspirador, e a saída do Afeganistão, a vitória, por encerrar uma guerra que os americanos não queriam mais, que Biden transformou estupidamente em derrota).

A regra número 2 – não dar munição ao inimigo -, Biden conseguiu não apenas quebrar como empurrar os limites: agora, são aliados que se desesperam com o fiasco.

Por que a “enormidade dos eventos no Afeganistão” foi produzida por tantos erros em série? “Tem uma resposta que abrange tudo: nossa falta de paciência estratégica em momentos críticos, inclusive por parte do presidente Joe Biden”, escreveu Ryan Crocker, que foi embaixador no Afeganistão quando Biden era vice de Barack Obama.

“Impaciência estratégica” é uma forma elegante de dizer o que outros estão descrevendo com palavras mais duras.

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Tony Blair, que arruinou sua reputação com o apoio incondicional aos americanos na invasão do Iraque e saudou Biden como “o homem certo na hora certa” quando ele foi eleito, escreveu sobre o desastre afegão: “Nós não precisávamos fazer isso. Nós escolhemos fazer isso. E o fizemos por força de um slogan político imbecil sobre encerrar as ‘guerras eternas’, como se nosso engajamento em 2021 fosse remotamente comparável  ao de vinte ou dez anos atrás, em circunstâncias nas quais os números de tropas caíram a um mínimo e nenhum soldado aliado perdeu a vida em combate nos últimos dezoito meses”’

Sem dar o nome, por motivos óbvios, fontes do governo britânico disseram ao Telegraph que Biden parece “ligeiramente alienado da realidade”.

Este descolamento da realidade contribui para o naufrágio da regra número 3 dos políticos habilidosos: controlar a narrativa.

Cada vez que faz um discurso ou dá uma entrevista, mesmo a repórteres que eram pitbulls com Donald Trump e viraram lulus da pomerânia com ele, Biden aumenta o tamanho do próprio buraco (pare de cavar, diz a primeira lei dos buracos, válida para políticos ou civis).

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Ele obviamente tem um comitê de crise permanente e segue um roteiro bem amarrado, tentando parecer maduro, responsável e no comando de uma situação que só piora – e é melhor nem falar agora no que aconteceria se americanos ficassem ilhados num país dominado pelos talibãs e tivessem que ser abandonados pelas tropas que têm prazo para sair do aeroporto de Cabul, o único espaço que ocupam hoje.

O problema é que suas palavras soam ocas, inclusive quando finge que assume toda a responsabilidade pela retirada – para em seguida culpar os afegãos de forma geral e, em particular, Donald Trump, criando a impressão de que logo mais vai invocar a Bruxa Má do Oeste.

Muitas de suas palavras também são incompatíveis com os fatos que, na era digital, se desenrolam em tempo real diante dos olhos do mundo. A situação não está sob controle, o cordão de afegãos desesperados em volta do aeroporto só faz prognosticar cenas mais críticas ainda, há americanos – ninguém, oficialmente, fala em números, mas não são poucos – que não conseguem passar pela massa humana e chegar à área de embarque. E absolutamente tudo depende da colaboração – ou não – dos talibãs.

Como em repúblicas de bananas, o que uma alta autoridade falou ontem, ou há cinco minutos atrás, voa pela janela rapidamente. São minutos, literalmente. Joe Biden mal havia acabado de dizer que não havia informações sobre maus tratos a cidadãos americanos quando o secretário da Defesa, Lloyd Austin, disse a congressistas que “algumas pessoas, inclusive americanos, haviam sido acossadas e até espancadas” por talibãs.

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Biden colocou a si mesmo numa situação em que só dá para acreditar em fragmentos de suas declarações.

Quando disse, por exemplo, “não posso prometer qual será o resultado final, ou que será sem risco de perdas”, estava falando a verdade.

Não pode mesmo. A situação que armou, com anuência ou complacência da alta cúpula civil e militar, é de uma volatilidade tal que pode incinerar sua presidência de meros sete meses. Ou desencadear uma crise de proporções inomináveis.

Quando políticos experientes como Biden dão a impressão de estar vivendo numa realidade alternativa, onde logo, logo os americanos vão fechar aliviados o capítulo afegão, inclusive porque “a Al Qaeda a essa altura está acabada”, está na hora de ter medo.

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E este é um sentimento cada vez maior entre os aliados que dependem dos Estados Unidos para sua própria segurança. Ou seja, todo o mundo “ocidental”, entre aspas porque inclui aliados doutrinários, como Japão, Coreia do Sul ou Austrália.

Joe Biden é um político esperto que cometeu uma sequência de graves erros cujos resultados ainda estão em aberto, colocando a si mesmo numa encrenca que não era necessária, apesar dos problemas que qualquer retirada do Afeganistão provocaria. 

Seu futuro político estará sendo jogado nos próximos dias e o ar de falsa segurança que tem procurado demonstrar mostra que sabe muito bem disso.

Detalhe: o Talibã já avisou que não aceita uma prorrogação do prazo para a retirada total que o próprio presidente estabeleceu, o próximo dia 31.

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