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Israel: pilotos se rebelam, ministro da Defesa cai e aeroportos param

Ou para ou para, assim avançam os protestos contra reforma do Judiciário e alcançam até pilotos da reserva, celebrados como heróis anônimos

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 27 mar 2023, 07h38 - Publicado em 27 mar 2023, 07h38

Ninguém estava levantando voo hoje no aeroporto Ben Gurion, paralisado pelos protestos contra a reforma judicial, adicionando um grave elemento ao estado de ebulição do país, em meio às especulações de que o primeiro-ministro seria obrigado, finalmente, a recuar.

Parar um aeroporto civil é um movimento gravíssimo, mas maior impacto ainda teve o anúncio de que 200 pilotos da reserva estavam se recusando a se apresentar para o treinamento semanal obrigatório – o que fazem é tão complexo que uma única semana de falta já os impossibilita de pilotar os caças modernos. Reservistas que atuam em solo, inclusive controladores, aderiram à rebelião. Outros mil pilotos que já não voam mais endossaram os protestos que estão deixando o país em estado de ebulição.

O oficial da Força Aérea Israelense de patente mais alta a morrer em guerra foi o tenente-coronel Avi Lanir. Derrubado em 13 de outubro de 1973 tão perto da fronteira entre Israel e Síria que tropas israelenses viram quando seu paraquedas chegou ao solo e ele foi levado preso. O que aconteceu com Lanir foi inferido oito meses depois, quando a guerra do Yom Kippur já tinha acabado e as partes beligerantes trocavam prisioneiros, vivos ou mortos.

O corpo dele tinha marcas de choques elétricos, unhas arrancadas, ossos quebrados. Se tivesse se dobrado à tortura, os israelenses ficariam sabendo pelas consequências, inclusive para o programa nuclear secreto do qual Lanir participava.

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São heróis assim que criam a aura mitológica de uma Força Aérea poderosa, que nada lembra os cinco aviões caindo aos pedaços que foram os primeiros a alçar ao céu, vindos da Checoslováquia, para defender o país que nascia traumaticamente, com a Guerra da Independência de 1948.

Quando os pilotos falam, o país obrigatoriamente escuta. Como pelo menos metade do país, os pilotos estão protestando contra a reforma do judiciário promovida por Netanyahu, com o apoio de partidos de extrema direita que lhe dão maioria no parlamento, chamado Knesset.

O quadro é tão grave que o ministro da Defesa, Yoav Gallant, general da reserva, foi demitido por pedir uma interrupção no processo das reformas. Gallant sabia muito bem que estava colocando a cabeça a prêmio. A explicação ele mesmo deu, em termos impressionantes: “Vestindo a farda das Forças de Defesa de Israel, arrisquei a minha vida dezenas de vezes pelo Estado de Israel e, neste momento, pelo bem do nosso país, estou disposto a assumir qualquer risco e pagar qualquer preço”.

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Não foram palavras vãs. Ao contrário, tiveram um peso imenso, inclusive porque Gallant é do Likud, o mesmo partido de Netanyahu.

A situação atual do Israel ultrapassa as fronteiras nacionais, suscitando questões que podem ser aplicadas a outros países: mesmo tendo maioria, um governo pode implantar mudanças profundas que correm o risco de mudar o caráter institucional de uma nação?

A reforma que segue adiante, já com dois meses de manifestações de rua e apelos de literalmente todos os setores da sociedade que não se sintonizam com a extrema direita, interfere na composição, na jurisdição e na escolha dos integrantes da Suprema Corte. Existem críticos que reconhecem o perfil excessivamente identificado com causas progressistas dos juízes, ignorando setores da sociedade que se sentem não representados, e até propõem estudar mudanças.

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Mas o momento é de crise e acirramento de posições antagônicas. Se fizer qualquer concessão, como seria não só lógico como inteligente, Netanyahu corre o risco de perder a maioria – e a chefia do governo que lutou tanto para reconquistar.

Se seguir adiante com a reforma, corre o risco de rachar o país.

A situação mais explosiva é justamente a dos militares – por enquanto só da reserva, mas pode rapidamente atingir também os da ativa – que se recusam a se apresentar para o serviço obrigatório. Líderes da oposição já disseram que isso é errado e que as Forças de Defesa de Israel estão acima das divergências políticas.

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O próprio Netanyahu disse que os reservistas rebeldes colocam o país em “terrível perigo”. Ele afirmou ter ouvido que integrantes das forças de defesa partidários da opinião oposta também se recusariam a servir se a reforma do judiciário fosse retirada.

O “outro lado” em Israel, equivalente à extrema direita, é formado por ultrassionistas que defendem a anexação dos territórios palestinos ocupados, punições mais duras aos círculos de apoio aos praticantes de atos terroristas e testes de lealdade para a população árabe de Israel propriamente dito – 20% do total. Argumentam que todas as concessões, como a devolução de territórios e o retorno de Yasser Arafat e da liderança palestina, só redundaram em mais insegurança para Israel. São laicos, religiosos ou ultrarreligiosos, sendo que estes exigem práticas rejeitadas pelo resto do país, incluindo códigos estritos de separação entre os sexos.

O envolvimento de pilotos nos protestos mexe com sentimentos nacionais profundos. Num país pequeno, numa região onde até os amigos são inimigos, como o Egito e a Jordânia, a projeção de poder via força aérea é vital. De Gaza à Síria, a atuação dos aviões israelenses é praticamente constante.

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A superioridade material e operacional de Israel não tem mais a garantia da era de domínio total dos céus, ilustrada pela quase inacreditável operação em que aviões israelenses destruíram toda a força aérea síria baseada no Líbano em um único dia, 9 de junho de 1982. “Um dia” é modo de dizer: das 30 baterias de mísseis terra-ar instaladas pelos Síria no Vale do Bekaa, 29 foram destruídas em duas horas. Dos cem MiGs fornecidos pela União Soviética, entre 83 e 86 viraram sucata, a maioria ainda em terra.

Hoje, é o Irã que arma a Síria, com os russos permitindo, num complicado acordo, que Israel elimine cirurgicamente potenciais ameaças.

A situação é muito mais complexa, embora Israel tenha capacidade, se mobilizadas todas as forças nacionais, de enfrentar simultaneamente os mísseis toscos de Gaza, os mais sofisticados que o Hezbollah acumula no Líbano e os instalados pelo Irã na Síria. Mas não sobreviveria a um racha interno, uma impensável divisão nas forças armadas onde todos os cidadãos judeus prestam serviço a partir dos 18 anos por 32 meses (24 para as mulheres).

“É só dar um chute no lugar certo e vai funcionar”, dizia Ezer Weizman, um dos cinco pilotos pioneiros que voaram nos aviões cheios de problemas para defender Israel em 1948 e, anos depois, foi eleito presidente.

Que lugar precisaria ser chutado para desarmar o ciclo autodestrutivo em que Israel se lançou?

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