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Insensato: por que Israel está comprando briga com os Estados Unidos

O estado judeu não sobreviveria sem apoio estratégico dado pelos americanos, mas a lógica do extremismo domina até pragmático Netanyahu

Por Vilma Gryzinski Atualizado em 14 Maio 2024, 00h19 - Publicado em 13 jul 2023, 07h37

Biden precisa compreender que Israel não é mais uma outra estrela na bandeira americana”. A frase totalmente maluca foi dita pelo ministro da Segurança Nacional, Itamar Ben-Gvir, um dos mais extremistas integrantes da coalizão de governo do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.

É uma besteira sem tamanho. Israel nunca foi “uma estrela a mais” para os Estados Unidos, mas uma encrenca danada que prejudica historicamente as ligações com o mundo árabe, embora diferentes governos americanos mantenham a aliança inquebrantável que já proporcionou, desde a criação do estado judeu, uma ajuda de 247 bilhões de dólares. Também é o guarda-chuva americano que protege Israel de sanções da ONU, sobre as quais os Estados Unidos têm poder de veto, como um dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança.

Apesar das críticas do esquerdismo infantil, não é uma relação fácil. O presidente Dwight Eisenhower teve que lembrar quem é que tinha o verdadeiro poder, em termos educados, mas inabaláveis, para obrigar Israel a se retirar do Egito, onde havia entrado na desastrada tentativa da Inglaterra e da França de tomar o Canal de Suez. Israel, claro, obedeceu? Qual era a alternativa em 1956?

Outra relação que parecia tão amistosa, a de Donald Trump com Netanyahu, foi bem mais complicada. Trump, aparentemente, se surpreendeu ao constatar que Bibi não queria acordo nenhum para terminar o conflito com os palestinos segundo o plano americano, pois teria que fazer concessões territoriais. Depois da vitória de Joe Biden, Trump subiu pelas paredes ao ver que Netanyahu foi o primeiro líder estrangeiro a congratular o presidente eleito. “Dane-se Netanyahu”, disse, na versão publicável.

Agora é a vez de Biden se estranhar com Bibi, e pela mesma questão de sempre, agravada pelos integrantes ultranacionalistas da direita religiosa que estão fazendo o pragmático Netanyahu, sempre tão hábil para prorrogar as intenções pacificadoras dos Estados Unidos, a se comprometer com medidas extremas como a reforma do sistema judiciário.

Mestre em sobrevivência política, Netanyahu caiu numa armadilha de amadores: achar que a maioria construída no Parlamento, através da aliança com os radicais, dá a seu governo o direito de promover uma reforma nos próprios fundamentos institucionais do Estado, com um alto índice de rejeição da maioria da população.

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O ponto fraco do escolado primeiro-ministro está justamente no judiciário: os três processos por corrupção e abuso de poder que continuam em andamento mesmo que ele ocupe a chefia de governo.

A ultradireita tem um bom argumento a seu favor: a composição política do país mudou desde que seus fundamentos foram lançados pela maioria socialista que fundou Israel dos tempos modernos. Mas incorporar as transformações não significa derrubar toda uma coluna de sustentação institucional, mesmo que exista uma maioria de parlamentares a favor. Governar só para os seus é um dos maiores — e piores — efeitos da maioria que despreza a parte do país com a qual discorda.

A oposição é tão forte porque a reforma tem um conteúdo altamente contencioso e aliena não só da população mais à esquerda, como da própria direita tradicional ou de insuspeitos de falta de pulso. Para dar um exemplo: o comandante da polícia de Telaviv, Amir Eshed, renunciou ao cargo, denunciando ter sido pressionado pelo ministro Ben-Gvir para usar mais força contra os manifestantes que voltaram à ruas diante de um novo projeto de alteração dos poderes do judiciário.

Assim que ele saiu, a polícia passou a intensificar o uso de canhões d’água contra manifestantes. Um parlamentar da ultradireita chegou a ridicularizar a lesão ocular sofrida por um ex-piloto da Força Aérea, Uai Ori, por causa justamente de um jato d’água. “Não se pode servir a um ditador”, disse o ex-piloto.

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A participação de reservistas nos protestos tem chegado ao ponto em que muitos deles se recusam a fazer os treinamentos que os mantém atualizados para funcionar como uma das camadas fundamentais para a defesa de Israel.

A extrema polarização levou Joe Biden a dizer numa entrevista que o atual governo israelense tem “alguns dos ministros mais extremos que já vi”. Não foi uma declaração improvisada, do tipo que o presidente americano faz por incontinência verbal, mas um recado bem dirigido.

“Existe hoje um sentimento de choque entre diplomatas americanos que têm tratado com Netanyahu, um homem de considerável esperteza e talento político. Eles acham difícil acreditar que Bibi seja conduzido pelo nariz por gente como Ben-Gvir”, escreveu Thomas Friedman na coluna do New York Times que é praticamente um retrato da opinião do establishment democrata.

O tom de Friedman deixou muitos israelenses preocupados: se ele está falando de maneira tão crua é porque ouve isso, ou coisa pior, de suas fontes no governo.

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Um dos pontos ressaltados pelo colunista: o próximo ministro das Finanças, Aryeh Deri, tem três condenações por sonegação fiscal e futuramente supervisionará o uso da generosa ajuda americana a Israel.

A ajuda americana depende do Congresso, não do executivo, mas obviamente um governo insatisfeito pode dificultar muita coisa para Israel.

Os radicais do governo israelense rejeitam abertamente o próprio fundamento da política americana de procurar, por mais distante que seja, a criação de um estado palestino com garantias de segurança a Israel. Em vez de sabotar a ideia, como sempre fez Netanyahu nos bastidores, a oposição agora é assumida e agressiva. A mesma atitude de confronto é tomada em relação à manutenção ou criação de cidades habitadas por judeus em territórios que entraria num cada vez mais remoto estado palestino.

Daí declarações como a de Ben-Gvir. Outro ministro, Amichai Chiki, disse que o governo Biden está “coordenando” as críticas ao governo Netanyahu com o líder da oposição, Yair Lapid.

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Todas essas questões são de alta complexidade e sempre acompanharam o igualmente complexo relacionamento de Israel com os Estados Unidos. Estaria Biden perto de dar mais um passo nesse balé nem sempre confortável e “reavaliar” a relação, como disse Thomas Friedman?

“Não temos conhecimento de nenhuma decisão a respeito”, disse um representante do governo, usando o tipo de linguagem que significa, em geral, o seu oposto.

“Não é segredo que temos discordâncias com o governo americano sobre a criação de um Estado palestino, o retorno ao perigoso acordo nuclear com o Irã e a posição do primeiro-ministro Netanyahu contra uma política de ‘surpresa zero’ em relação às ações de Israel contra o Irã”.

Entra aí um complicador adicional: a firme oposição dos Estados Unidos sempre foi o fator mais importante para segurar a ala da política israelense favorável a uma intervenção relâmpago para impedir que o Irã obtenha armamentos nucleares, como está muito perto de fazer.

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Os Estados Unidos estão tentando impedir que Israel “saia dos trilhos”, disse, sem meias palavras, o embaixador americano Tom Nides, com a liberdade de que está deixando o cargo (“Vá cuidar da sua vida”, foi o comentário nada contido de Amichai Chikli).

Os respectivos recados estão ficando cada vez mais agressivos e isso não é bom para ninguém. Se o poder moderador dos Estados Unidos refluir, o primeiro da lista a sair perdendo é Israel. O ministro Ben-Gvir respondeu a Biden dizendo também que “a terra de Israel é para o povo de Israel segundo a torah de Israel e não vamos fazer compromisso algum quanto a isso”. É uma ilusão: a terra de Israel só continua sendo de Israel porque tem o apoio americano.

O ódio da esquerda a Israel pode vazar para outras camadas políticas e influenciar a opinião pública americana, a mutante base sobre a qual o apoio existencial ao estado judeu se sustenta. A deputada democrata Ilhan Omar já disse que em hipótese alguma irá à sessão conjunta em que o presidente de Israel, Isaac Herzog, de origem esquerdista, falará ao Congresso — uma honra que jamais será dada nas circunstâncias atuais a Bibi Netanyahu. Ela e Rashida Tlaib, de origem palestina, são as mais ferozes representantes de tudo o que seja contra Israel — e o risco é que convençam cada vez mais americanos, principalmente quando representantes do governo israelense falam bobagens e compram briga com o aliado essencial.

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