
Jornalistas não são melhores nem piores do que o resto da humanidade, mas têm regras de comportamento profissional criadas para garantir que a informação transmitida por eles é tão confiável quanto foi possível apurar dentro das limitações de todas as atividades humanas e com a premência de tempo inerente a seu trabalho. Ou deveriam ter. Infelizmente, o fenômeno da partidarização de tudo também pegou a imprensa em cheio e se reflete em números devastadores. Segundo uma pesquisa Gallup, apenas 28% dos americanos têm um grande ou bastante razoável grau de confiança em jornais, emissoras de televisão e rádios. Entre os republicanos, que obviamente registram o viés anticonservador, o número é de 8%. É o fundo do poço nos cinquenta anos em que o instituto mede a relação entre os consumidores e os produtores de mídia.
Qualquer pessoa que acesse informações já sabe há muito tempo: para ter uma ideia do que está acontecendo, é necessário constantemente acompanhar os meios antagonistas — e fazer uma média. O Congresso não aprovou um novo orçamento e o governo tem que suspender todas as atividades não essenciais? Ah, é o golpe final na administração de Trump, que será arrastado na lama por uma população furiosa, diz quase unanimemente a mídia onde impera o pensamento progressista. Do outro lado do espectro, altamente minoritário, Trump está maquiavelicamente manipulando o shutdown para fechar agências que queria eliminar desde o começo e os democratas vão acabar se dando muito mal. O fato de que a suspensão de atividades e pagamentos já tenha acontecido em outras ocasiões, com consequências zero, não aparece em nenhuma das interpretações.
“Um dito do mercado financeiro: ‘A confiança vai embora a cavalo, mas só retorna a pé’ ”
Se a iniciativa para a paz no Oriente Médio fosse de Barack Obama, laureado por fazer exatamente nada, uns outros cinco prêmios Nobel da Paz já estariam empilhados na “escrivaninha do Resolute”, a mesa de trabalho feita com 590 quilos de madeira reaproveitada do navio britânico de mesmo nome, famoso por uma expedição ao Ártico, e presenteada pela rainha Vitória ao presidente Rutherford Hayes. Ferido cinco vezes na guerra civil, Hayes reconheceu: “Não sou benquisto como presidente pelos políticos, pela imprensa ou pelo Congresso” (também é dele uma frase definitiva — “Dinheiro é poder” — sobre a influência dos abonados em todas as esferas, inclusive na imprensa). Não é preciso gostar de um presidente para reconhecer seus méritos, como o do plano para Gaza, sem prejuízo de apontar seus erros. O papel de fiscalização da imprensa sobre os poderosos é um dos pilares da democracia, e um país fica gravemente prejudicado se sua população não acredita mais que os jornalistas o exercerão sem preferências nem antipatias excessivamente partidárias.
A confluência de dois fenômenos, a ascensão das redes sociais e a queda da credibilidade da imprensa tradicional, deveria apontar para uma luta titânica pela recuperação da confiança. Em vez disso, vemos jornalistas que deveriam ser sérios dizer que, como num golpe, Washington está “tomada por tropas” e Chicago “invadida” por efetivos da Guarda Nacional, mobilizados para dar segurança a agentes sem sequer usar suas armas. Jornalistas torcendo contra o combate ao crime mostram por que a confiança foi perdida. E, segundo um dito conhecido no mercado financeiro, “a confiança vai embora a cavalo, mas só retorna a pé”.
Publicado em VEJA de 10 de outubro de 2025, edição nº 2965